O Orçamento de 2021 pode carregar uma fatura extra de R$ 45 bilhões a R$ 55 bilhões em gastos da pandemia aprovados este ano, prevê a Instituição Fiscal Independente (IFI). A maior parte dessa “sobra” de despesas a serem pagas no ano que vem deve ser do auxílio emergencial aos mais vulneráveis: R$ 29 bilhões.
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Esses recursos ficarão fora do teto de gastos (a regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação). Na prática, vão funcionar com uma espécie de “orçamento paralelo” em 2021. No entanto, elas vão afetar o resultado primário (aprofundando o rombo fiscal antes mesmo do pagamento dos juros da dívida) e a regra de ouro (que impede a emissão de dívida para bancar despesas correntes, como os próprios auxílios).
O cálculo da IFI leva em conta uma estimativa de pagamento dos créditos extraordinários liberados durante a pandemia com base no chamado orçamento, que termina no dia 31 de dezembro de 2020. A emenda suspendeu as regras fiscais no período da calamidade pública reconhecida pelo Congresso.
Até 10 de dezembro, o governo pagou 85,3% (R$ 489,1 bilhões) dos R$ 573,1 bilhões previstos em gastos de combate à covid-19. Mas parte da diferença de R$ 84,3 bilhões ainda pode ser consumida nos 20 dias que faltam até o final do ano.
“Ainda vai haver gastos até 31 de dezembro. Então, (a sobra) será menor do que esse valor. Calculamos entre R$ 45 bilhões e 55 bilhões. Seria a sobra estimada de dotações de crédito extraordinário”, explica Felipe Salto, diretor-executivo da IFI. Para Salto, o relatório mostra que a situação fiscal é grave. “O uso dos restos a pagar (despesas transferidas de um ano para o outro) está dentro das regras do jogo, mas a preocupação é quanto ao controle do resultado primário e da dívida” alerta. Para ele, torna-se ainda mais importante que o governo apresente um plano fiscal de médio prazo para recuperar as condições de sustentabilidade da dívida pública.
Relatório da entidade sobre as contas públicas divulgado nesta segunda-feira aponta que o governo gastou, até novembro, R$ 275,6 bilhões com o auxílio emergencial concedido aos mais vulneráveis. Com a redução da parcela de R$ 600,00 para R$ 300,00 e mudanças nas regras, o gasto mensal caiu consideravelmente. Entre junho e agosto, o gasto médio foi de R$ 45,3 bilhões por mês. Em setembro, com o auxílio residual (também chamado de auxílio extensão) já vigente, o gasto passou para R$ 24,2 bilhões. Nos meses seguintes também houve queda: R$ 20,9 bilhões em outubro e R$ 17,8 bilhões em novembro.
A queda na despesa era esperada, dadas as regras mais restritivas que passaram a vigorar em setembro. O valor do auxílio residual que começou a ser pago em setembro é metade do anterior (R$ 300,00 contra R$ 600,00, ou R$ 600 contra R$ 1.200,00, no caso de mães solteiras). Além disso, o número de beneficiários, que antes chegou a quase 68 milhões, hoje está próximo de 56 milhões.
Por essa razão, a IFI prevê que o gasto do auxílio emergencial no ano será inferior ao orçamento autorizado. Se a execução de dezembro for igual a de novembro, o gasto total em 2020 será de R$ 292,6 bilhões, bem abaixo dos R$ 321,8 bilhões autorizados no Orçamento.
A IFI avalia que é razoável esperar que o gasto de dezembro não seja, de fato, muito diferente do de novembro, tendo em vista, a queda do gasto observada nos últimos três meses. “Haveria, portanto, uma folga orçamentária em torno de R$ 29 bilhões, a maior parte na ação orçamentária do benefício original”, destaca o relatório.
O documento chama a atenção sobre a dúvida que fica no ar: em que medida a sobra orçamentária nas ações destinadas ao auxílio emergencial poderia ser inscrita em restos a pagar e executada em 2021.
As previsões foram divulgadas num momento em que há uma grande discussão no governo e no Congresso sobre a necessidade ou não de se estender o auxílio emergencial para o início do ano que vem.
Para a IFI, há muito pouco espaço para acomodar novas despesas, dado o nível baixo dos gastos discricionários (não obrigatório e que sustentam o funcionamento da máquina).
No relatório, a IFI destaca que, para gastos relacionados à pandemia, a saída caminha para ser a viabilização de despesas por meio de novos créditos extraordinários em 2021 (o que pode suscitar controvérsias jurídicas) ou pela execução de restos a pagar de créditos abertos em 2020.
Decisão recente do Tribunal de Contas da União (TCU) permitiu a flexibilização das normas de execução dos gastos da covid-19 em casos excepcionais, inclusive para que se empenhe em 2020 parcelas da despesa que serão executadas no ano que vem por meio de restos a pagar. Por serem derivados de créditos extraordinários, não estariam sujeitos ao teto de gastos de 2021.
“Mas é preciso registrar que o auxílio é uma despesa muito particular, um pagamento mensal, portanto, seria preciso avaliar as justificativas do empenho elevado no fim do ano, como estratégia deliberada para pagar despesas do ano seguinte”, adverte a IFI.
A diferença entre o que foi planejado para 2020 e o que efetivamente será despendido é importante, pois pode evidenciar uma parcela do gasto de 2021 que será realizada por meio de restos a pagar e que, por ter sido aberta em 2020, por meio de créditos extraordinários, não estará sujeita ao teto de gastos do ano que vem.
Na avaliação da IFI, a execução de restos a pagar independe da aprovação do Orçamento de 2021. Portanto, mesmo sem a aprovação do orçamento, os restos a pagar já poderiam ser gastos em janeiro. Esse é considerado o cenário mais provável, considerando a proximidade do fim de 2020.
Por Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli
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