André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV), não vê um descontrole na inflação e risco de uma espiral inflacionária. Ele reconhece, porém, que houve um certo “espalhamento” da alta de preços por conta da desvalorização do real em relação dólar que atingiu os preços de outros itens industrializados, como eletrodomésticos, eletrônicos, automóveis, por exemplo.
“A alimentação explica hoje 90% do resultado dos índices de preços ao consumidor”, frisa o economista. Na sua avaliação, embora em recuperação, a economia ainda está desaquecida. O que não sancionam altas generalizadas de preços ao consumidor, embora as pressões existam nos preços no atacado. A seguir, principais trechos da entrevista.
Por que a inflação real está acima da inflação dos índices?
A inflação real é a que a gente mede. O que existe é uma percepção da inflação diferente, de acordo com o nível de renda, gosto, preferência e até mesmo com a faixa etária da família. A inflação das famílias com renda mais baixa conversa hoje coma inflação dos alimentos, que subiram quase 10% em 12 meses. A classe média está mais alinhada com a inflação do índice cheio, lembrando que a alimentação responde por menos de 20% da inflação geral e os outros 80% são bens, serviços e tarifas públicas que foram muito comprometidos com a pandemia. Muitos serviços como, cinema, hotéis, passagens áreas, por exemplo, tiveram consumo mínimo no período.
Mas a classe média também reclama do preço dos alimentos…
Com certeza, porque o diagnóstico é feito por todo mundo e o aumento não foi trivial a ponto de não ser percebido pela classe de renda mais alta. Quanto maior a renda, menor a participação da alimentação na cesta. Para a baixa renda, a alimentação responde por 30% ou mais do orçamento, para a renda mais alta é de 15% para baixo. Uma alta que compromete 10% do meu orçamento eu vou me importar muito? Eu sei que está caro, mas tenho renda para pagar. Faço juízo de valor, mas isso não afeta a minha cesta de consumo.
Há um descontrole geral na inflação?
Não. A inflação está muito concentrada em alimentos. A alimentação explica hoje 90% do resultado dos índices de preços ao consumidor. Até pela persistência na desvalorização do real, isso começa a criar pressões inflacionárias em vários segmentos. Vemos materiais de construção, eletrodomésticos, eletrônicos subindo de preço. Começamos a ver um espalhamento um pouco maior. Mas longe de isso ser entendido como um processo inflacionário mais disperso que mostre um cenário duradouro e persistente. O problema seria entrar numa espiral inflacionária espalhada em muitos bens e serviços e com caráter duradouro. Mas essa não é a característica da inflação no curto prazo até porque estamos com a economia desaquecida, com desemprego alto.
Como o sr. avalia essa questão do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) “estar grávido” da alta de preços no atacado?
Está “grávido” em termos. Só uma parte da estrutura do IGP (Índice Geral de Preço, que engloba preços no atacado) caminha em direção ao IPCA. Tem coisas que não vão contaminar na magnitude das variações de preços no atacado os produtos ao consumidor. Por exemplo, o minério de ferro foi a commodity que mais subiu no atacado, 80% em 12 meses. Parte desse aumento explica parte dos aumentos do preço do carro, máquina de lavar, por exemplo. Mas não estamos vendo carro e peças subindo nessa magnitude. Há aumentos de custos, movidos em parte pelo encarecimento da matéria-prima, mas não de maneira explosiva como o atacado vem mostrando.
Será preciso subir juros o ano que vem para conter a inflação?
Vai depender muito do que será o ano que vem. A economia vai crescer mais rapidamente do que imaginamos? Ainda não há sinais claros do que vai acontecer. A normalização gradual da prestação de serviços, comércio, vai causar alguma inflação. Mas essa inflação vai caminhar no sentido da meta.. Não consigo ver, por enquanto, nenhuma pressão que justifique mexer em juros no curto prazo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Márcia De Chiara
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