Além de conter uma inédita defesa da união civil de pessoas do mesmo sexo, o documentário Francesco, sobre o papa Francisco lançado esta semana, em Roma, pode ser visto como um grande inventário sobre os principais temas da agenda de Jorge Mario Bergoglio. O Estadão assistiu ao filme, dirigido por Evgeny Afineevsky, um russo naturalizado americano.
A produção faz um sobrevoo nas principais questões ocupadas pelo Vaticano nos últimos sete anos: da crise ambiental às desigualdades econômicas e sociais, passando pelos abusos sexuais, a crise da imigração, a discussão sobre gênero, a atuação do papa em conflitos como o da Síria e sua relação com outras religiões. Ainda que demasiadamente simpático, trata-se de um documento histórico sobre uma das principais lideranças do nosso tempo.
O ponto de partida é a pandemia do coronavírus, com imagens de um solitário Francisco rezando numa deserta Praça de São Pedro, em Roma, logo quando o vírus se tornou um fenômeno global. Mas o ponto forte do documentário, fazendo justiça à repercussão dos últimos dias, é a histórica abertura do pontífice à comunidade LGBT – Francisco é o primeiro papa reinante a fazer tal gesto. A frase dita por ele a Afineevsky (“Os homossexuais são filhos de Deus e têm o direito a uma família”) é acompanhada por outras cenas e declarações que reforçam essa postura.
Solidário
Juan Carlos Cruz, chileno abusado sexualmente por um padre de seu país, conta o que ouviu do papa, no encontro que teve com ele no Vaticano: “Juan Carlos, você deve entender que Deus te criou gay. Deus te ama assim como você é”. Na mesma conversa, o pontífice também se desculpou, em nome da Igreja, pelos abusos que foram acobertados, no passado, pelo clero do Chile.
Outro exemplo citado é o de um homem que entrega uma carta a Francisco relatando um drama familiar: trata-se de um casal gay com três filhos. O homem descreve o temor de levar os filhos à igreja e pergunta ao argentino se isso seria positivo. Três dias depois, Francisco o telefona, encorajando-o a ser transparente e levar as crianças à igreja.
Bergoglio defende a união civil de pessoas do mesmo sexo desde os tempos em que era arcebispo de Buenos Aires, o que ele reforça em entrevista ao diretor. O que ele desaprova, numa opinião expressa ainda na Argentina e repetida depois em Roma, é promover uma cerimônia religiosa para um casamento gay.
Evgeny Afineevsky disse a jornalistas nesta semana que, como gay, a questão mais importante da declaração do papa é “que ele está nos ensinando a parar de rotular e enquadrar as pessoas, e defender que todo ser humano seja igual”.
Sem se aprofundar nas afirmações de Francisco nem na forte oposição interna da ala conservadora, o filme aborda aspectos da vida pessoal de Bergoglio e toca ainda na sua suposta cumplicidade com a última ditadura argentina (1976-83), tema que ainda motiva controvérsia.
Estela de Carlotto, fundadora das Avós da Praça de Maio, faz uma autocrítica a respeito: “Me arrependo das alegações que fiz. Hoje sabemos o que fez Bergoglio. Ele, em silêncio, ajudou muita gente a se salvar”.
O documentário evidencia, ainda que indiretamente, o quão profissional é o aparato de comunicação que opera ao redor de Francisco. Além de seus tuítes, o filme usa várias imagens produzidas pelo Vaticano nos últimos sete anos – como se vê, dignas de cinema. Quando sobem os créditos, após quase duas horas de documentário, um agradecimento especial é dirigido ao diretor do setor de comunicação da Santa Sé. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Lucas Ferraz, especial para o Estadão
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