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Mestrado de Marques tem partes iguais a outro texto

A dissertação de mestrado de 127 páginas que o desembargador Kassio Marques defendeu em 2015 na Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal, tem mais de 17 páginas de conteúdo idêntico ao que está escrito em três artigos publicados anos antes pelo advogado Saul Tourinho Leal. É como se a cada 11 páginas da dissertação, uma tivesse só conteúdo igual ao de terceiros, sem citação do autor original. O levantamento foi feito pelo Estadão, a partir do sistema Plagium, usado para comparar automaticamente o conteúdo da tese e dos artigos. Após o caso vir à tona, o desembargador classificou os trechos idênticos nos dois trabalhos como “coincidência”.

A reprodução de parte de textos de outro autor sem dar o devido crédito no trabalho acadêmico de Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), foi revelada pela revista eletrônica Crusoé nesta quarta-feira pela manhã e confirmada pelo Estadão. Os trechos idênticos chegam a incluir os mesmos erros de digitação encontrados nos artigos de Tourinho. A dissertação de Marques, defendida para receber o título de mestre, não faz nenhuma citação a Tourinho em suas referências bibliográficas, exigência para utilização de qualquer trecho de material acadêmico de outra pessoa, segundo regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Além da comparação dos textos, a reportagem fez uma análise no arquivo de formato PDF com a dissertação de Marques que está disponível para acesso no site da universidade portuguesa. Nos metadados do arquivo, há uma informação de que o criador do documento foi um usuário identificado como “Saul”. Também há uma citação à empresa Pinheiro Neto Advogados, escritório de advocacia em que Tourinho trabalhava – atualmente ele atua no escritório do ex-ministro do Supremo Carlos Ayres Britto e dá aulas no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), instituição que tem o ministro Gilmar Mendes como sócio-fundador. Procurado, o Pinheiro Neto não se manifestou até a conclusão desta edição.

Segundo a assessoria de imprensa de Marques, o registro do documento em nome de “Saul” “certamente decorreu” da “elaboração de conteúdo” a partir de um arquivo de computador trocado entre os dois colegas em 2012, depois que participaram de um seminário.

O caso soma-se a outras inconsistências no currículo acadêmico que Marques apresentou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), onde atua como desembargador desde maio de 2011. Como revelou o Estadão anteontem, Marques diz ter feito um curso de pós-graduação pela Universidad de La Coruña, na Espanha, que a instituição nega existir. Segundo o desembargador, houve um erro de tradução neste caso.

Seu currículo, disponível publicamente no site do TRF-1, lista uma pós-graduação e um pós-doutorado que teriam sido feitos, se somados, em um período de dez dias. Segundo informações da PUC do Rio Grande do Sul e do Ministério da Educação, esses dois cursos, juntos, demorariam até quatro anos para serem concluídos. Outro pós-doutorado que teria sido feito em uma semana foi defendido na Universidade Federal de Messina, Itália, onde ele declara ter realizado cinco dias de aula, em formato “intensivo”.

Apesar da revelação das inconsistências no currículo e em trabalhos acadêmicos, uma ala do Supremo e o Centrão, grupos que deram aval à indicação do nome de Marques, minimizaram o efeito dessas informações na condução do desembargador ao Supremo.

Troca

Em nota enviada à imprensa no início da noite de ontem, Marques nega que tenha plagiado textos em sua dissertação. Segundo ele, a “coincidência das citações” presentes nos textos se deve “provavelmente” ao fato de que trocou arquivos de computador com o advogado nos últimos anos. Marques diz ainda, via assessoria de imprensa, que a conclusão da sua tese, que fala de autocontenção judicial, ou seja, de evitar excessos da Justiça, é oposta ao posicionamento de Tourinho, a favor do ativismo judicial, postura ativa do Judiciário na relação com outros Poderes.

Quase ao mesmo tempo, Tourinho também divulgou nota para afirmar que acusações de plágio são infundadas e que as “semelhanças” entre seus trabalhos e a dissertação de Kassio são “fruto de esforço mútuo dos autores”. O advogado também reforça que o resultado dos trabalhos de ambos segue “linhas doutrinárias absolutamente divergentes, guardando em comum tão somente parte do acervo pesquisado”.

Os trechos idênticos aparecem em três artigos de Tourinho: Ativismo judicial: as experiências brasileira e sul-africana no combate à Aids; Direito à saúde: cidadania constitucional e reação judicial e O debate imaginário entre Luís Roberto Barroso e Richard Posner quanto à concretização judicial do direito à saúde. Todos foram publicados entre maio e agosto de 2011, época em que Marques entrou no TRF-1. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Breno Pires e Patrik Camporez

Estadão Conteúdo

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