O ritmo de retomada da economia nos últimos meses criou um otimismo “exagerado” sobre o cenário de crescimento em 2021, que deve passar por grande revisão. A avaliação é do economista-chefe da Itaú Asset Management, Felipe Tamega, que considera os efeitos do fim do auxílio emergencial e a deterioração do quadro fiscal no País. Neste último caso, o economista afirma que parece não haver disposição no governo e Congresso para enfrentar o custo político do ajuste fiscal e o debate se inverteu, com a proposição de reformas para abrir espaço para mais gastos, e não para reduzi-los. “A discussão começa com o gasto e se fala em gatilhos para financiá-lo. Mas, com esse nível de dívida, a discussão tinha de ser como conseguir uma trajetória descendente dos gastos.”
O ritmo de retomada econômica tem surpreendido. É sustentável?
Os papers acadêmicos estão começando a mostrar que o grande motor da queda da atividade não foram as restrições impostas pelos países, mas sim o medo. Com a redução do nível da contaminação e das mortes, as pessoas se sentem mais seguras para saírem às ruas. Então, ocorre o mesmo descasamento do início da pandemia – em que houve queda rápida da demanda, enquanto a produção foi “desligada” mais lentamente -, mas agora de maneira inversa: a demanda volta, mas a produção ainda não voltou. E o que tinha de estoque no início, que inicialmente parecia muito, foi sendo gasto nos vários meses em que tudo ficou parado na economia.
Então, é algo pontual? Quando a atividade volta ao normal?
É difícil dizer porque tem muitas forças que ainda vão bater sobre a economia de ambos os lados, para que continue mais forte e para que desaqueça. O primeiro ponto é o fiscal. Um dos elementos que explicam a retomada mais forte é a expansão fiscal enorme que estamos fazendo por conta da pandemia, com destaque para o coronavoucher. Outubro deve ser o pico dos desembolsos de coronavoucher, porque, dado o espaçamento de pagamentos que a Caixa fez, alguns beneficiários podem receber a parcela de R$ 600 e de R$ 300. Enquanto houver dinheiro injetado pelo governo na economia, a demanda brasileira deve se manter alta. Em dezembro, deve ter queda razoável de demanda, e, em janeiro, mais ainda. Mesmo que se aprove o Renda Cidadã, entre R$ 200 e R$ 300, ainda assim deve haver desaceleração importante, porque o número de beneficiários deve cair de 64 milhões para algo como 20 milhões.
E qual será o ponto positivo para a atividade?
A desaceleração fiscal deve ser concomitante à chegada da vacina. O Doria (João Doria, governador de São Paulo) está falando que as primeiras doses chegam em dezembro. Se isso ocorrer mesmo, tende a suavizar um pouco a queda do PIB na virada do ano, porque a mobilidade aumenta e setores deprimidos retomam. Mas acho que o otimismo todo que as pessoas têm hoje com a atividade de 2021 tende a mudar, acho que vamos ter revisão grande ao longo do tempo para o PIB de 2021.
Quais as suas projeções?
Para 2020, projetamos queda de 4,6% e, em 2021, alta de 2,5%. Ainda acho que estamos sendo otimistas no 2,5%. Mas é um crescimento trimestral muito baixo, da ordem de 0,3%. Para dar 3,5% e 4%, como o Banco Central tem falado, o crescimento trimestral seria de 0,8% a 0,9%, que é muito alto. Não conseguimos entender de onde vem tanto crescimento, dada essa percepção macroeconômica.
Como vê o impasse fiscal em torno do Renda Cidadã?
De fato, foram colocadas soluções ruins para financiar o programa. Eu acho que aqui podemos ver o copo meio cheio ou meio vazio. Para começar pelo lado bom, aparentemente todas essas ideias ruins estão sendo rechaçadas. Se você quiser ser otimista, pode ser que isso implique ter alguma solução de algum corte de gasto para compensar o aumento do Bolsa Família. A leitura pessimista é de que o mundo político, incluindo Executivo e Legislativo, não quer cortar na carne. Acha que é difícil demais, é impopular, como o presidente falou, que não dá para tirar de pobres para dar para os paupérrimos. O fato de que o mundo político não quer enfrentar esse custo deixa uma sinalização negativa para o mercado.
Cada vez fica mais provável o aumento permanente de gastos?
Hoje, ninguém discute mais formação de poupança. Mesmo as reformas e as privatizações estão sendo vistas como forma de abrir espaço para fazer outro gasto. A discussão começa com o gasto e se fala em gatilhos para financiá-lo. Mas, com esse nível de dívida, a discussão tinha de ser como conseguir uma trajetória descendente dos gastos. Até porque, o teto de gastos em relação ao PIB demanda isso. Não tem muito por onde escapar, se queremos manter o arcabouço fiscal, que passa pelo teto de gastos, não tem mágica, tem de fazer a consolidação fiscal.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Thaís Barcellos
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