O governo publicou na última quinta-feira, 24, a Lei Complementar 175, que alteras as regras para o recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Originário do Projeto de Lei Complementar (PLP) 170/2020, o texto estabelece que a competência de cobrança do imposto passa para o município onde o serviço é prestado ao usuário final, e não mais pela empresa que presta o serviço. A alteração entrará em vigor a partir de 2021.
A Lei Complementar 157, de 2016, já havia determinado a mudança na cobrança do ISS para determinados segmentos da economia, deixando de ser recolhido no município onde está sediado o prestador e passando para aquele de domicílio do tomador do serviço.
Em 2018, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5835 para suspender dispositivos da LC 157 relativos ao local de incidência do ISS. A decisão suspendeu também, por arrastamento, a eficácia de toda legislação local editada para complementar a lei nacional.
Devido a essa liminar, alguns advogados entendem que a LC 175 mostra-se pouco eficaz. Outros veem como positiva a criação de uma entidade de abrangência nacional para fiscalização de um tema que envolve um imposto municipal.
“Mesmo com a edição da nova lei complementar subsiste o interesse jurídico em definir se a LC 157/2016 poderia ter alterado o sujeito ativo e o aspecto espacial do imposto para o município em que domiciliado o tomador ao invés do município onde ocorre a prestação do serviço. Se a LC 157/16 for declarada inconstitucional, cai também a lei nova”, diz Daniel Corrêa Szelbracikowski, tributarista sócio da Advocacia Dias de Souza.
Ainda segundo Szelbracikowski, a nova lei complementar supôs como condição para a eficácia da LC 157/16 a instituição de um comitê gestor e a criação de um sistema de recolhimento padronizado do ISS, “o que ainda não ocorreu, não havendo sequer previsão para tanto. Sem que isso ocorra, a LC 157/16 permanece ineficaz, justificando a manutenção da liminar concedida pelo STF na ADI 5835?, conclui.
Richard Edward Dotoli, sócio da área tributária do Costa Tavares Paes, doutor em direito tributário pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor na FGV-RJ, aponta quatro razões para a impertinência da LC 175.
“A Lei Complementar 175 é, no mínimo, inoportuna, pelo seguinte: (1) ela regula o cumprimento de obrigações acessórias de uma forma de cobrança de ISS que o STF já suspendeu a execução (ADI 5835) – regulamenta uma lei que não será aplicada; (2) atropela as discussões sobre a reforma tributária, já em andamento no Poder Executivo e no Poder Legislativo; (3) transfere para os contribuintes os custos para o desenvolvimento de um sistema de controle eletrônico, quando essa iniciativa deveria partir do poder público; e (4) transfere para os contribuintes toda a incapacidade de articulação política entre os entes da federação de discutir uma repartição de recursos”, opina.
Insegurança jurídica
Já na avaliação de Rodrigo Rigo Pinheiro, sócio coordenador da área tributária do Leite, Tosto e Barros Advogados, a nova lei abre espaço para mais discussões judiciais.
“As novas determinações legais são de frágil execução diante da suspensão da eficácia da regra que altera o sujeito ativo do ISS que, de acordo com decisão do STF, continua sendo o município de localização do estabelecimento prestador (liminar na ADI 5835, do ministro Alexandre de Moraes). Além disso, a ampliação e a capilarização do número de municípios competentes para arrecadar o ISS traz, na mesma proporção, uma preclara insegurança jurídica aos empresários sobre em qual cidade deverão recolher o imposto (até considerando que, vários deles, possuem domicílio em mais de um deles). Em outras linhas, a função esperada de uma lei complementar – que é uniformizar a interpretação das regras, não restou alcançada”, diz Pinheiro.
O advogado afirma ainda que induzir que uma empresa, em sua operação única, tenha que recolher ISS para uma série de municípios onde não está estabelecida é inviabilizar a própria prestação de serviços.
“Isso sem contar com o aumento expressivo de emissão de notas-fiscais mensais, considerando a representatividade das operações – por exemplo – de uma operadora de saúde em todo o país”, finaliza.
Manicômio tributário
Geraldo Wetzel Neto, sócio e coordenador da área tributária e de ICMS da Bornholdt Advogados, afirma que a Lei Complementar vai na contramão do que pretende a reforma tributária.
“A discussão sobre qual município tem direito sobre o ISS gerado na prestação de determinados serviços é antiga, gerando inclusive disputas entre prefeituras que reduziram alíquotas do imposto para atrair empresas. O tema é controvertido, ainda mais diante da automação das contratações de alguns serviços listados na Lei Complementar ora sancionada. Existem inúmeras razões para defesa do ISS devido no domicílio do tomador do serviço, assim como para defesa do domicílio do prestador do serviço. Porém uma questão é certa diante da nova legislação: o manicômio tributário brasileiro acabou de ser ampliado, uma nova ala foi aberta para os contribuintes, na contramão do que se pretende com a reforma tributária”, diz Neto.
Por outro lado, Renato Vilela Faria, sócio coordenador da área tributária do Peixoto & Cury Advogados, elogia a medida. “Apesar das dificuldades em operacionalizar esse tipo de mudança, que envolve a definição de um padrão nacional de obrigação acessória do ISS (que é um imposto municipal, ou seja, mais de 5700 cidades podem ser impactadas), vejo com bons olhos, até mesmo como um teste para questões que vêm sendo tratadas nos diversos fóruns de reforma tributária, com a criação de uma entidade de abrangência nacional para fiscalização de um tema que envolve um imposto municipal, ainda que delimitado a um rol reduzido de atividades”, diz.
Thiago Sarraf, tributarista do Nelson Wilians Advogados, lembra que a edição da LC 175 se deve aos termos da LC 157, que determinou que o ISS deve ser pago ao município de domicílio dos clientes, relativamente aos serviços anteriormente indicados, o que, à época, gerou preocupações, principalmente quanto à forma de apuração e controle do imposto.
“Tais preocupações motivaram, inclusive, o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5835, ou seja, questionando os dispositivos introduzidos pela lei à luz da Constituição Federal. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes concedeu medida cautelar para suspender a eficácia da LC 157, por considerar que a ausência de definição clara do conceito de tomador de serviços poderia causar “grave insegurança jurídica”. Com a edição da nova LC 175 foi estabelecido um padrão nacional para cumprimento de obrigações acessórias, pretensamente possibilitando aos contribuintes e municípios maior controle e acessibilidade na apuração do ISSQN para os serviços em questão, bem como se aguarda pela breve apreciação da ADI 5835 para eliminar a insegurança jurídica nestas relações”, explica.
Wilson Sales Belchior, sócio de Rocha, Marinho E Sales Advogados e conselheiro federal da OAB, afirma que a LC 175 é importante, particularmente quanto à definição de tomador dos serviços e o correspondente detalhamento para os subitens abrangidos pela referida norma. “Observe-se que diferentemente da Lei Complementar 157 que se limitou a estipular que o ‘imposto será devido no local do domicílio do tomador do serviço ’, a Lei Complementar 175 aponta o que se entende por tomador de serviço e a localidade que será considerada seu domicílio”, diz.
Outro ponto de destaque, de acordo com Belchior, é a instituição do Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN, centralizando em sistema eletrônico de padrão unificado em todo o território nacional as informações e os dados relativos ao imposto, abrangendo a declaração pelo contribuinte, a inserção das alíquotas pelos municípios, legislação vigente e dados do domicílio bancário para recebimento do imposto.
Camila Mazzer de Aquino, coordenadora da área tributária do WZ Advogados, destaca que a nova Lei Complementar 175 veio para regulamentar na prática a aplicação da regra prevista na Lei Complementar 157. “Previu-se que terá um cadastro unificado e foi criado um comitê que deliberará a respeito de como funcionarão essas obrigações acessórias. Além disso, a lei previu também um regime de transição entre o momento em que entra em vigor até o exercício 2022, de acordo com o qual o produto da arrecadação de ISS sobre esses serviços será repartido entre o município onde está o estabelecimento do prestador e o município onde estão os tomadores, até que em 2023, 100% da arrecadação serão direcionados ao município onde estão os tomadores”, explica.
Por Redação
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