No primeiro dia de campanha eleitoral, candidatos à Prefeitura de São Paulo pretendem pedir votos na periferia da cidade. Mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia do novo coronavírus, bairros populosos e afastados do centro vão receber, hoje, os primeiros eventos oficiais das eleições deste ano. Nos próximos 12 dias, enquanto não tem início a propaganda de rádio e TV, os partidos políticos apostam no trabalho de rua para atrair a atenção dos eleitores.
Segundo a mais recente pesquisa Ibope, a maior parte dos paulistanos com renda baixa e pouca escolaridade está sem candidato. O levantamento, publicado domingo passado pelo Estadão, mostra que 61% dos entrevistados que recebem de um a dois salários mínimos não sabem ou não responderam em quem vão votar – a taxa cai para 48% entre quem ganha até cinco salários. A porcentagem de desinformados também é maior entre aqueles que só concluíram o ensino fundamental (67%), se comparada a quem fez o ensino médio (58%).
As respostas foram dadas nas perguntas espontâneas, quando o entrevistador não mostra
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, disse ontem que “outro vírus ronda as eleições”. “Trata-se das notícias falsas, das campanhas de desinformação e de difamação”, afirmou ele em pronunciamento em rede nacional de rádio e TV. “O vírus das fake news compromete a democracia.” os nomes dos candidatos.
Zona sul
Atual prefeito, Bruno Covas (PSDB) começa sua agenda pública em uma igreja na região de Socorro, zona sul. Nas primeiras semanas da campanha, Covas pretende defender seus feitos na Prefeitura e se apresentar como alguém ligado a uma agenda progressista.
Os 12 novos CEUs, por exemplo, receberam nomes de personalidades negras que se destacaram na história. O nome do governador João Doria (PSDB) será usado, segundo aliados, com “moderação” e apenas para reforçar a boa relação com o Estado. O Ibope mostrou que Doria, bem como o presidente Jair Bolsonaro, tem baixa capacidade de transferência de votos.
Em outro extremo da cidade, Guilherme Boulos (PSOL) vai dar largada na campanha com a inauguração de seu primeiro comitê eleitoral em São Mateus, na zona leste. Segundo o coordenador da campanha, Josué Rocha, a ideia é explorar a memória que a população de bairros afastados tem da ex-prefeita Luiza Erundina, candidata a vice de Boulos.
O legado de administrações antigas na capital paulista também será explorado pelo PT, que já administrou a cidade em três ocasiões. Para marcar o início formal da campanha de Jilmar Tatto, o partido promete fazer carreatas em 40 pontos de São Paulo hoje. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será figura constante tanto na campanha na TV quanto em cartazes, camisetas e adesivos.
A campanha de Márcio França (PSB) também planejou uma ação para mobilizar simpatizantes em carros: um adesivaço. Os estrategistas do ex-governador pretendem manter as críticas a Doria.
Primeiro colocado na pesquisa Ibope, Celso Russomanno (Republicanos) deve apostar
na ligação com Bolsonaro. Ontem, antes de o presidente receber alta após cirurgia para retirada de um cálculo na bexiga, Russomanno foi ao Hospital Israelita Albert Einstein visitá-lo e divulgou a foto do encontro nas redes sociais. Na quinta-feira, Bolsonaro disse que apoiaria candidaturas em São Paulo, Santos e Manaus. Até a conclusão desta edição, Russomanno não tinha informado a agenda de campanha para hoje.
Entre os compromissos de Joice Hasselmann (PSL)Z está uma caminhada na Praça da Sé. Andrea Matarazzo (PSD) visita uma comunidade em Jova Rural, na zona norte.
Pandemia põe Saúde sob foco na campanha
A cada quatro anos, a saúde é tradicionalmente apontada por eleitores como a área a ser priorizada por candidatos a comandar os 5.570 municípios brasileiros. Pesquisa Ibope divulgada pelo Estadão na semana passada mostra que 33% dos paulistanos citam a saúde como a sua maior preocupação. Nestas eleições, que têm início oficialmente hoje, a pandemia de covid-19 torna ainda mais urgente a demanda por propostas que reduzam a fila por exames, consultas com especialistas e cirurgias de menor complexidade – uma atribuição da Atenção Primária, sob o comando de prefeituras.
O Ministério da Saúde indica uma queda de 16,3% nesse tipo de atendimento de janeiro a julho deste ano, se comparado ao mesmo período do ano passado. Segundo levantamento feito pelo Estadão, todos os 31 procedimentos considerados padrão pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tiveram redução. Foram pouco mais de 6 milhões de atendimentos – queda de 1,16 milhão em relação a 2019.
Na prática, a prioridade dada ao tratamento de pacientes infectados com o novo coronavírus fez com que o SUS retrocedesse ao menos 12 anos na prevenção de doenças por meio de atendimentos eletivos. Em 2008, primeiro ano da série histórica disponível para consulta, foram feitos 6,3 milhões de procedimentos padrão.
No caso de cirurgias de mama, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou pouco mais de 12 mil procedimentos nos sete primeiros meses deste ano. Em 2016 foram 19,8 mil no mesmo período. O retrocesso no número de cirurgias é acompanhado pelo total de consultas com especialistas, que antes registrava ligeiro aumento ano a ano, mas que caiu diante do coronavírus. Foram 188,4 mil atendimentos em 2020, contra 218,6 mil em 2016.
Desafios
Neste início oficial das campanhas eleitorais, especialistas ouvidos pela reportagem apontam os principais desafios e também algumas soluções possíveis. Os vencedores das eleições terão de comandar um sistema ainda mais deficitário por estrutura e verba e apto a vacinar a população contra o novo coronavírus.
O cenário geral, especialmente dos municípios grandes e médios, é de um sistema inchado, em decorrência da recessão econômica e da alta do desemprego. Mas também desigual, por causa dos modelos de gestão estarem em boa parte divididos entre a administração direta e a crescente participação das Organizações Sociais, nem sempre de forma exitosa.
Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Gonzalo Vecina afirma que atualizar as agendas médicas das doenças crônico-degenerativas que deixaram de ser cumpridas é medida urgente a ser tomada. Por causa da pandemia, não se deu início, por exemplo, a internações para tratamento de câncer, cirurgias cardíacas e colocação de marca-passo, entre diversos outros procedimentos. “Essa é uma agenda irrecuperável. Quem passou do tempo, ou já morreu ou vai morrer. É um negócio bem dramático”, diz.
Ampliar a qualidade do Programa Saúde da Família (PSF), comandado pelos municípios; assegurar ao menos a manutenção do volume atual de gastos; fiscalizar de forma mais efetiva a qualidade dos serviços prestados pelas Organizações Sociais (OSs) – já presentes em várias capitais – e investir em tecnologia são decisões igualmente necessárias.
Da mesma forma, pesquisadores e especialistas em saúde pública ressaltam que a pandemia explicitou que desigualdades sociais afetam diretamente a saúde dos mais pobres. Não à toa são eles as principais vítimas da covid-19.
Basta olhar para o mapa de São Paulo. Quando a cidade registrou 10 mil mortos, em julho, uma análise do Estadão mostrou que os 25 primeiros distritos com mais mortes pelo novo coronavírus estavam nas zonas afastadas do centro. Juntos, somavam 4.109 óbitos (42,1% do total). Em primeiro lugar estava Sapopemba, na zona leste, seguido por Jardim Ângela, na zona sul, e Brasilândia, na zona norte da cidade.
São nessas regiões em que se encontra a população mais vulnerável em termos sociais, educacionais, econômicos e de saúde. Lugares onde muitas pessoas não puderam praticar o isolamento social, se expondo ao risco de contágio e transmissão.
“Se a pandemia nos fez compreender mais profundamente como funciona o SUS e a importância dele, ela também precisa nos ensinar que o sistema deve ser realmente único, oferecendo a mesma qualidade de atendimento”, diz a professora Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj).
Filas
A lista de espera por uma consulta com especialista em São Paulo explica o drama citado por Vecina. Antes mesmo da pandemia, havia 910 mil pessoas na fila. Outras 370 mil aguardavam para fazer um exame ou uma cirurgia eletiva (não urgente). Os dados foram obtidos pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação (LAI) e não foram atualizados pela Secretaria Municipal de Saúde.
A demora na realização desses serviços, além de prejudicar a saúde da população, onera os cofres públicos. Isso porque diagnosticar uma doença em sua fase inicial aumenta as chances de cura e reduz os custos do tratamento, podendo evitar a indicação de uma cirurgia.
A zeladora Ana Paula Estevo, de 47 anos, enfrentou três meses de angústia. Moradora de Curitiba (PR), ela trata, desde o ano passado, um mioma no útero na Santa Casa de Misericórdia. Depende de acompanhamento especializado e de uma rotina de exames para fugir da cirurgia. “É arriscado por eu ser hipertensa”, conta.
As consultas, porém, foram interrompidas por três meses. “A alegação foi a de que os esforços estavam no combate à covid-19”, lamenta Ana Paula. Nesse período, sofreu uma hemorragia e precisou ser submetida a exames para diagnóstico de uma anemia, retornando ao especialista semana passada.
A capital paranaense tinha quase 105 mil pessoas aguardando por uma consulta com especialista em março. A prefeitura de Curitiba informou que a “situação ficou mais crítica nos meses de abril e maio, mas que está se normalizando”.
Regra
O cenário não é diferente no restante do País. Pelo contrário, é regra na maioria das cidades grandes, especialmente nas capitais. No Recife, mais de 170 mil pessoas estavam na fila eletiva em março.
Lindalva de Assis Vieira, de 63 anos, precisa fazer uma ultrassonografia. Desempregada e com diagnóstico de artrose na perna, ela já tentou se aposentar por invalidez, mas teve o benefício negado por apresentar exames muito antigos. Isso foi no início de 2019.
“A médica pediu um raio X e uma ultrassonografia da minha perna. O raio X eu consegui fazer, já a ultrassonografia eu espero até hoje. E a consulta foi em março, antes da pandemia. É sempre assim.”
A prefeitura do Recife informou que a ultrassonografia do joelho foi solicitada no dia 28 de fevereiro deste ano, mas que, por causa da pandemia, os exames eletivos e as consultas com especialistas foram suspensos. “Os serviços estão sendo retomados gradualmente e Lindalva segue na fila de espera.”
Em Belo Horizonte, mais um relato de espera. A aposentada Ivana Alves da Silva, de 70 anos, tem indicação para se submeter a uma cirurgia para corrigir catarata. Da cidade onde mora, Morada Nova de Minas, localizada a 298 quilômetros da capital mineira, Ivana não sai da estrada, numa rotina desgastante em busca de exames e consultas pré-operatórios.
No dia 21, a aposentada havia acabado de tirar sangue para checar seu nível de glicose – como é diabética precisa controlar a doença para poder ser operada. “Agora até que as coisas voltaram a caminhar, mas ainda não sei quando a operação vai ser feita”, conta.
Em nota, a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte informou que 22.721 pacientes estão cadastrados na central de internação para realização de cirurgias em 18 especialidades e que os atendimentos estão sendo retomados.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por BRUNO RIBEIRO, MATHEUS LARA, PAULA REVERBEL, PEDRO VENCESLAU, RICARDO GALHARDO e TULIO KRUSE
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