Contratos assinados pelo atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, quando ele era diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), estão sob investigação da Polícia Federal por suspeita de corrupção, destaca o Estadão. O ministro não é formalmente investigado, mas o nome dele é citado 17 vezes ao longo das 59 páginas do inquérito.
Elogiado com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro como “entregador de obras”, Tarcísio foi diretor da autarquia de 2012 a 2014, durante o governo Dilma Rousseff. É ele quem assina parte dos contratos investigados na Operação Circuito Fechado, que no início do mês apontou desvios de R$ 40 milhões dos cofres públicos por meio de uma empresa de tecnologia. A PF anexou às investigações nove documentos assinados pelo então diretor do Dnit, alguns a mão. Em sete deles consta apenas o nome de Tarcísio como representante do órgão.
O primeiro contrato com a Business To Technology (B2T) para fornecer licenças de programas de computador para o Dnit foi assinado pelo atual ministro em 14 de agosto de 2012, no valor de R$ 11,7 milhões. Nos anos seguintes, mais dois aditivos tiveram o aval dele, elevando o negócio para R$ 22,6 milhões. Segundo a PF, não há qualquer evidência de que o serviço tenha sido prestado e a suspeita é de que as contratações serviram de fachada para o dinheiro ser desviado.
Ainda de acordo com a PF, Tarcísio ignorou alertas de irregularidades ao assinar os contratos com a B2T. A Advocacia-Geral da União (AGU) apontou ao Dnit a necessidade de comprovar que os preços apresentados pela empresa eram compatíveis com os praticados no mercado. Um parecer da Procuradoria Federal Especializada que atua no órgão também pedia para a equipe responsável pela contratação esclarecer “as razões que motivaram o pleito”.
Em 13 de agosto de 2012, o então diretor executivo assinou relatório “aprovando a realização do processo licitatório”. No documento, Tarcísio não menciona os alertas e justifica que havia recursos para a contratação.
Os aditivos também foram alvo de questionamentos, ignorados pelo atual ministro, o que foi destacado no inquérito. “Mesmo assim (diante das irregularidades apontadas), no dia 15/10/2014, (…) Tarcísio Gomes de Freitas e o diretor-presidente da B2T, Nelmar de Castro Batista, assinaram o segundo termo aditivo (…), no valor total de R$ 4,18 milhões, sendo que mais da metade desse valor (…) foi destinada aos serviços de consultoria e de treinamento, serviços que podem propiciar o desvio de recursos públicos”, registra o inquérito.
O ministro alega que as contratações não foram “ato individual”, mas decisão colegiada. O Estadão apurou que o material coletado pelos investigadores deve ser enviado ao Supremo Tribunal Federal, que avalia casos envolvendo ministros, já que há fatos investigados até 2019.
Segundo o inquérito, a B2T usou uma empresa de fachada para fazer o pagamento de “gordas comissões” e “distribuir propina a servidores públicos participantes do esquema”. Os investigadores não vinculam o nome de Tarcísio ao recebimento de propina, mas apontam três funcionários subordinados a ele envolvidos no esquema.
Um deles, Marcus Thadeu de Oliveira Silva, voltou a trabalhar com o atual ministro na gestão Bolsonaro. Ele ocupou o cargo de analista de Negócio e Inovação do Ministério da Infraestrutura até julho, quando foi transferido para a área de tecnologia do INSS, vinculado ao Ministério da Economia. Procurado, Silva não respondeu.
Dinheiro
Quebras de sigilos bancários revelaram saques por funcionários da B2T e de uma outra empresa que atuava como “laranja”. O valor sacado, de acordo com a PF, seria usado para o pagamento da propina. Um dos saques identificados foi de R$ 3,5 milhões.
Ao menos dois empresários admitiram fraude no contrato do Dnit, segundo a PF. Pedro Paulo Thompson, da PTV, disse que participou da licitação a pedido de um representante da B2T. “Confirmou em depoimento que houve conluio e prévio ajuste de preços entre as empresas participantes”, destaca a PF.
Em depoimento, Thompson disse que à época foi procurado por Tiago Schettini, então diretor da B2T, que lhe informou que “o contrato já era dele, pois ele já estava prestando serviço ao Dnit”. Atual vice-presidente da empresa, Schettini foi preso no último dia 3, quando a Circuito Fechado foi deflagrada.
O outro empresário que admitiu ter participado do pregão no Dnit para simular concorrência, a pedido da B2T, foi Cláudio Salomão, da Telemikro. O Estadão enviou e-mail e ligou para as três empresas. Por telefone, uma atendente da B2T disse que encaminharia o pedido da reportagem, mas não houve resposta. As outras duas também não se manifestaram.
Defesa
O ministro Tarcísio de Freitas afirmou, em nota, que os contratos assinados com a empresa B2T no período em que foi diretor do Dnit foram atestados pelos setores técnico e jurídico do órgão, e as análises não apontavam qualquer irregularidade.
“Não havia nenhuma suspeita de irregularidade quando da deliberação por parte da diretoria colegiada, nem do contrato e nem dos aditivos”, destacou.
Tarcísio disse, ainda, que “não houve qualquer tipo de alerta de nenhum órgão de fiscalização e nem internamente sobre irregularidades.” “Conclui-se, portanto, ser desarrazoado exigir que o colegiado deliberasse sobre algo referendado no mérito e no juízo pelas instâncias responsáveis, fato notoriamente comprovado pela própria inexistência de qualquer citação à diretoria executiva como parte sob investigação.”
A PF, no entanto, contesta a versão do ministro e cita pareceres da AGU e da Procuradoria da República Especializada com ressalvas à contratação. As recomendações eram para que o órgão demonstrasse justificativa de que os preços unitários estimados eram compatíveis com o mercado; apresentar pesquisa de mercado nacional; e comprovar que os preços estimados se encontravam em conformidade com a realidade.
Os alertas aconteceram ainda em 2012, antes da formalização da licitação e da assinatura de dois aditivos com a B2T. A PF aponta que o Dnit, inclusive, “ignorou as sugestões da AGU acerca das irregularidades contidas na pesquisa de preços”, por meio de um parecer dado em 13 de agosto de 2012. Confrontada, a assessoria do ministro sustentou a versão de que não houve alerta.
Num procedimento incomum, a PF divulgou nota sobre a investigação sigilosa. Nela, revela que o ministro foi ouvido e que, “até o momento”, não existem “elementos suficientes” para “qualquer conclusão acerca do envolvimento dele com esquema de corrupção”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Patrik Camporez e Fausto Macedo
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