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Obra está sujeita a ‘várias intercorrências’, diz Prefeitura, sobre Anhangabaú

Prevista para o último domingo, 20, a entrega da remodelação do Vale do Anhangabaú foi mais uma vez remarcada em meio a um cenário de atrasos e encarecimento da obra e, ainda, de mudanças e redução no valor que a Prefeitura fixou para a concessão do espaço à iniciativa privada. A nova data de conclusão é 30 de outubro, 16 dias antes das eleições, em que o prefeito Bruno Covas (PSDB) tenta a reeleição e na qual tem propostas de transformação do centro de São Paulo como algumas das principais bandeiras.

A nova data de conclusão foi oficializada no sábado, 19, no que foi o nono aditamento do contrato, assinado com o Consórcio Central em 2017. O valor também mudou, subindo 17,4%, passando de R$ 79,9 milhões para R$ 93,8 milhões. Esse é quase metade do custo do contrato de concessão por 10 anos do espaço, avaliado em R$ 49,2 milhões, que inclui despesas, investimentos e outorgas.

Em documentos a que o Estadão teve acesso, datados de 9 de setembro, o consórcio alega que não é possível entregar a obra dentro do prazo e pede adiamento para 28 de fevereiro. Antes disso, em agosto, ele já havia pedido um prolongamento da execução até 20 de dezembro. Entre os motivos alegados, estão o que chama de “diversas alterações no projeto”, referentes a redes de telecomunicações, água, esgoto, gás e energia, e a pandemia do novo coronavírus, que teria exigido o afastamento de parte dos trabalhadores.

No cronograma sugerido em documento assinado pelo gerente de contrato de uma das integrantes do consórcio, nenhuma fase da obra aparece pronta até dezembro e grande parte das intervenções estão assinaladas com conclusão para o ano que vem, como a pavimentação, as instalações hidráulicas, a iluminação pública e luminotécnica, a ventilação e exaustão, o paisagismo e os mobiliários urbanos.

Formado pelas empresas FBS Construção Civil e Pavimentação S.A. e Lopes Kalil Engenharia e Comércio Ltda, o consórcio foi procurado pela reportagem e afirmou, em nota, que “não é fonte oficial para responder aos questionamentos referentes à obra”.

Além da obra em si, o processo de concessão do vale e de áreas do entorno teve a abertura dos envelopes com propostas da iniciativa privada adiada novamente nesta semana, com remarcação para 23 de outubro. A decisão ocorre após mudanças no edital, que chegou a ser suspenso pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) em agosto.

O edital foi republicado nesta quarta-feira, 23, após sofrer novas modificações e acatar parte das recomendações do tribunal. O valor da outorga fixa foi novamente reduzido, desta vez para R$ 95 mil, inferior aos R$ 122 mil previstos na versão de 15 dias atrás e aos R$ 370 mil previstos em julho.

Dentre as mudanças, também estão a exclusão do trecho que previa a responsabilidade da concessionária de fazer a limpeza e a segurança da área durante e depois a realização de eventos da Prefeitura e a delimitação de serviços que poderão ser terceirizados, além de outras mais.

O contrato de concessão terá validade de 10 anos e se refere à gestão, manutenção, preservação e “ativação” sociocultural do espaço, com a realização de apresentações musicais, workshops e oficinas. Após ser procurada pelo TCM, que chegou a questionar sobre a possibilidade de adiamento para um período pós-pandêmico, a gestão Covas justificou que teria um custo mensal de R$ 185 mil para manter o espaço.

Além da área aberta do vale, a concessão incluirá as Praças Ramos de Azevedo e do Patriarca, a escadaria da Rua Dr. Miguel Couto, o trecho da Avenida São João entre as Ruas Conselheiro Crispiniano e São Bento e as Galerias Formosa e Prestes Maia.

Segundo a Prefeitura, o objetivo é ampliar a presença da população no vale. Dentre as mudanças, estão a implantação de 852 jatos dágua, 852 pontos de iluminação cênica e 11 quiosques (de lojas, cafeterias e afins), além da realização de eventos diários.

Críticas

Nos últimos meses, a remodelação do Anhangabaú também tem sido alvo de críticas nas redes sociais e por parte da população, especialmente em relação à pavimentação de grande parte do espaço. Um vídeo com testes de iluminação nos jatos dágua até viralizou nos últimos dias e virou alvo de memes pelo colorido variado.

Idealizado pelo escritório do arquiteto dinamarquês Jan Gehl, o projeto teve adaptações (especialmente pelo escritório brasileiro Biselli Katchborian) quando Fernando Haddad (PT) ainda era prefeito, mas começou a ser implantado na gestão posterior.

Professor de Urbanismo da Universidade Mackenzie, Celso Aparecido Sampaio lembra que o vale passou por outros projetos de remodelação ao longo dos últimos 100 anos, sendo que o último foi entregue há cerca de três décadas.

“Por que uma determinada área da cidade merece ser renovada a cada 20 anos? Por que não se pensa isso para Cidade Tiradentes (na zona leste), por exemplo, que existe há muito mais de 20 anos e carece de intervenção público, de oferta de trabalho, de lazer, de oferta de cultura, de infraestrutura urbana de toda ordem?”

Para ele, o projeto anterior, de Jorge Wilheim e Rosa Kliass, tinha alguns problemas, como a menor interligação com o entorno, mas conseguiu se readaptar. “O vale tinha uma dinâmica, o que não tínhamos era uma preocupação em cuidar.”

Ele argumenta, por exemplo, que o valor da obra poderia ter sido investido em habitação com aluguel social (em que a posse do imóvel é da Prefeitura) para as pessoas que já vivem nas ruas, nos cortiços e nas ocupações da região.

Além disso, o urbanista critica o modelo de a Municipalidade bancar a obra e, depois, repassá-la à gestão privada. “Está passando o capital público para o capital privado. Faria mais sentido se chamasse a iniciativa privada para explorar e, em contrapartida, iria-se reformar e zelar, não investindo o recurso para quem precisa e transferindo esse dinheiro para que o ente privado possa explorar.”

Professora de Urbanismo da USP, Regina Meyer também aponta problemas. “Os projetos se repetem há décadas com pouca, ou melhor, nenhuma leitura do que o vale representa como elemento central do funcionamento urbano, tanto em escala local como urbana. As ideias sempre acabam por torná-lo monofuncional, isto é, espaço de lazer”, comenta. “Ele precisa ser mais do que isso: ter função na movimentação da população que frequenta o Centro, estar associado ao transporte público, buscar as entradas e saídas do Metrô.”

Obra está sujeita a ‘várias intercorrências’, diz Prefeitura

Em nota, a Prefeitura afirmou que uma obra deste porte está “sujeita a várias intercorrências, sobretudo quando licitada com base em projeto básico” e que está “preocupada com qualidade e o resultado final”. “O consórcio responsável continuará presente e operante durante os próximos seis meses para eventuais ajustes que sejam necessários”, apontou.

Além disso, justificou o aumento do custo ao detalhamento do projeto executivo. “Durante a elaboração do projeto executivo constatou-se que a altura do túnel do Anhangabaú era diferente da prevista no projeto básico, exigindo um acréscimo no volume de material e transporte para aterro, para viabilizar a implantação do sistema de aspersão e drenagem das futuras fontes.”

“Reforçamos, ainda, que o antigo projeto não estimulava a permanência das pessoas no espaço, o que ocasionava problemas de segurança, dificuldade para pedestre, áreas insustentáveis e ociosas, ausência de acessibilidade, limitação para o desenvolvimento de atividades econômicas e atrativas para o local. Não havia bancos, os edifícios no entorno tinham pouquíssimas atividades convidativas. O projeto atual apresenta conceitos condizentes com a vida urbana do século XXI ao propor mudança de característica do Vale, de espaço de passagem para espaço de permanência”, acrescentou.

Por fim, a nota ainda aponta que a concessão “significará um benefício econômico de aproximadamente R$ 250 milhões por ano para os estabelecimentos do Centro da cidade”. “E também vai representar um aumento de cerca de 10 mil pessoas, por semana, circulando na região, que desfrutarão de atividades diversas, eventos, serviços, locação de espaços para comércio e alimentação.”

Por Priscila Mengue

Estadão Conteúdo

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