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Aras defende depoimento por escrito de Bolsonaro

O procurador-geral da República Augusto Aras defendeu a possibilidade de um depoimento por escrito do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura suposta interferência política na Polícia Federal. O parecer foi enviado em recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) após o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar a oitiva presencial de Bolsonaro.

Nesta quarta, 23, o ministro Marco Aurélio Mello, que está sob a relatoria do inquérito enquanto o decano se encontra em licença médica, enviou o caso para julgamento no plenário virtual da Corte, que se iniciará no dia 2 de outubro.

Celso de Mello determinou que Bolsonaro fosse ouvido presencialmente nas investigações que apuram as acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro sobre supostas interferências na PF. A decisão do decano foi amparada em diferentes precedentes da Corte no sentido de que os chefes de Poderes, quando sujeitos a investigação criminal, não tem direito à prerrogativa de depoimento por escrito.

Entre as decisões anteriores do STF citadas pelo decano está uma proferida pelo ministro Teori Zavascki em 2016, que negou depoimento por escrito ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), à época em que era presidente do Congresso Nacional.

Em parecer enviado sobre o recurso da AGU, Aras afirmou que a decisão de Celso de Mello tem inconsistência em seu raciocínio jurídico. Segundo o PGR, este cenário possibilita ao presidente deixar de comparecer ou ficar em silêncio durante a oitiva, situações em que nada acrescentaria à apuração em curso.

“Se o ordenamento jurídico pátrio atribui aos chefes dos Poderes da República a prerrogativa de apresentar por escrito as respostas às perguntas das partes quando forem testemunhas, situação em que há, ordinariamente, a obrigatoriedade de comparecer em juízo e de falar a verdade, sob pena de responderem criminalmente, com mais razão essa prerrogativa há de ser observada quando forem ouvidos na qualidade de investigados, hipótese em que aplicável o direito ao silêncio, de que decorre sequer ser exigível o comparecimento ao ato”, apontou Aras.

A manifestação de Aras é alinhada à da AGU, que também defende o depoimento por escrito de Bolsonaro. A defesa do presidente alegou que os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin autorizaram o depoimento do então presidente Michel Temer em dois inquéritos distintos. Em ambos os casos, porém, o emedebista era testemunha, e Bolsonaro é investigado.

Relatoria. A proximidade da aposentadoria compulsória de Celso de Mello, em novembro, reacendeu na Corte a discussão sobre quem deve assumir a relatoria do caso. Até agora, integrantes do STF se dividem sobre o tema. “Ante a urgência de todo e qualquer inquérito, há de ser distribuído (a outro ministro). Não aceito simplesmente herdar”, disse Marco Aurélio ao Estadão, ao defender um sorteio eletrônico para definir o novo relator, após a saída de Celso.

“Sou substituto do ministro Celso de Mello, não pelo patronímico Mello, mas por antiguidade. E não aceito designação a dedo. Mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível.”

O regimento interno do STF prevê que o relator seja substituído pelo ministro imediato em antiguidade em caso de licença “quando se tratar de deliberação sobre medida urgente”.

Ao completar 75 anos em 1º de novembro, Celso de Mello vai se aposentar compulsoriamente, abrindo a primeira vaga na Corte para indicação de Bolsonaro. O regimento interno do STF prevê que, em caso de aposentadoria do relator, o processo é herdado pelo ministro que assume a vaga.

Dessa forma, o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro deve assumir o acervo de processos de Celso de Mello – o que abre margem para a insólita situação de um ministro indicado pelo chefe do Executivo assumir a relatoria de um inquérito que investiga o próprio presidente da República.

Segundo o Estadão apurou, a equipe de Fux avalia que essa tradicional regra deve ser mantida, mesmo em se tratando desse inquérito que atinge diretamente Bolsonaro.

“Seria muito ruim que o presidente estivesse na posição de nomear o ministro ou ministra que assumiria a relatoria de um inquérito contra ele. Se essa situação acontecer, espero que o Senado questione o indicado ou indicada sobre isso e, idealmente, perguntaria se ele ou ela se comprometeria em se declarar sua suspeição e pedir a redistribuição caso isso ocorresse”, avaliou o professor Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio. “Mas o melhor seria que o inquérito fosse redistribuído antes disso, para esse debate não dominar a conversa em torno da nomeação, ofuscando outros temas de grande importância.”

Um ministro do STF ouvido reservadamente pela reportagem aponta que Marco Aurélio poderia continuar com o inquérito. Dessa forma, quando o sucessor de Celso de Mello assumir a cadeira do tribunal, após ser indicado por Bolsonaro, aprovado pelo Senado e empossado, a apuração possivelmente já teria sido concluída.

Pelo regimento interno do STF, em certos casos (como habeas corpus e extradições), o presidente da Corte pode determinar a redistribuição do processo, se o interessado ou o Ministério Público solicitar. O dispositivo também pode ser acionado em “caráter excepcional” nos demais processos.

Por Paulo Roberto Netto e Rafael Moraes Moura

Estadão Conteúdo

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