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Entidade deturpa estudo sobre guia de comida, diz cientista

Dois cientistas das Universidades de Oxford (Reino Unido) e Harvard (Estados Unidos), autores de um estudo que analisou guias alimentares de dezenas de países, acusam a Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (Abia) de desonestidade por usar os resultados de sua pesquisa de forma distorcida para criticar o guia brasileiro.

As diretrizes alimentares brasileiras viraram alvo de polêmica na semana passada quando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) finalizou uma nota técnica pedindo ao Ministério da Saúde que remova do guia alimentar do País trechos com críticas aos alimentos industrializados. Na nota, divulgada pela imprensa, o Mapa classifica o guia alimentar brasileiro como um dos piores do planeta sem citar fontes nem evidências científicas.

A Abia endossou parte das críticas do Mapa ao documento e usou como uma das evidências da suposta falta de qualidade das diretrizes brasileiras um estudo internacional publicado neste ano no periódico científico British Medical Journal (BMJ), um dos mais importantes do mundo, que avaliou as implicações da adoção de guias alimentares nacionais na saúde e no meio ambiente. O trabalho foi realizado por especialistas dos EUA, Reino Unido e Austrália, entre eles Marco Springmann, autor principal e pesquisador de Oxford, e Anna Herforth, pesquisadora sênior associada de Harvard.

A pesquisa foi citada em posicionamento da Abia favorável à revisão do guia. Na declaração, a associação da indústria afirma que o estudo “analisou guias de 97 países e posicionou as recomendações do guia brasileiro no ranking 86, à frente, portanto, de apenas 11 países”.

Ao saber que a pesquisa está sendo usada para criticar o guia brasileiro, Anna e Springmann publicaram nota de esclarecimento em que afirmam que a Abia faz uma interpretação “grosseira” da publicação científica de autoria deles. Os pesquisadores disseram que o estudo não traz ranking de guias alimentares, mas, sim, avalia o alinhamento dos guias com aspectos de saúde e meio ambiente.

Em entrevista por e-mail ao Estadão, os pesquisadores afirmaram não ter entendido de onde a Abia tirou a informação de que o Brasil está na 86ª posição de um suposto ranking trazido no estudo. “O artigo da indústria cita uma classificação que não existe. Tentamos replicar essa classificação, mas não conseguimos chegar perto dos resultados a que se referiam”, disse Springmann.

A pesquisadora de Harvard afirmou ter ficado “consternada” ao descobrir o que chamou de “uso desonesto” do artigo pela indústria. “Nós estudamos as diretrizes alimentares porque são documentos políticos importantes que ajudam a colocar em prática o consenso científico sobre dietas saudáveis. Esses documentos devem ser baseados na ciência, não em lobbies da indústria”, afirmou.

“Fiquei chocado de terem tentado usar um estudo como o nosso, que pede diretrizes dietéticas mais ambiciosas para argumentar exatamente o contrário. Esse foi claramente um caso de deturpação e referência indevida”, disse Springmann.

Os cientistas explicaram que a pesquisa considerou na análise dos guias se eles tinham recomendações quantitativas para o consumo de alimentos, ou seja, se traziam números de porções indicadas de cada produto. Como o guia brasileiro tem diretrizes mais qualitativas, ele aparece no estudo com pontuação incerta nesse quesito. “Pontuação incerta não significa que a orientação é ruim ou precisa de reforma. Significa que a orientação não é quantificada”, disseram os pesquisadores. A Abia afirmou que os resultados do estudo permitem a interpretação de que o guia brasileiro tem recomendações genéricas.

Anna ressaltou que o estudo defende que o consumo de alimentos ultraprocessados está associado a maior risco de doenças crônicas – justamente o que a Abia pede que seja retirado do guia brasileiro. Ela destacou que a classificação adotada no documento brasileiro (que separa os alimentos em grupos de acordo com seu nível de processamento) “funciona bem” para comunicar ao público como adotar dietas mais saudáveis, ricas em vegetais, frutas, grãos e leguminosas e com baixo teor de açúcar, sal e gorduras não saudáveis.

Comparação genérica

Procurada, a Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (Abia) argumentou que “os números apresentados na conclusão do estudo permitem a comparação das notas atribuídas aos guias analisados” e que o guia brasileiro pode ser considerado “de alta incerteza ou generalidade”.

A Abia diz que é precisamente “a recomendação genérica de não consumir produtos ‘ultraprocessados’ em caráter absoluto” (sem citar quantidades ou densidade de nutrientes) o objeto da crítica dirigida por esta entidade ao documento e que baseia a argumentação de que o guia deve ser revisado”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Fabiana Cambricoli

Estadão Conteúdo

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