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Em oposição a Trump, Xi Jinping defende multilateralismo e refuta ‘guerra fria’

Enquanto o americano Donald Trump usou o principal palco da diplomacia mundial para atacar diretamente os chineses por boa parte do seu discurso, o presidente Xi Jinping, que falou minutos depois, declarou na Assembleia-Geral das Nações Unidas que não tem intenção de travar uma ‘guerra fria ou quente’ com nenhum país.

Em plena campanha eleitoral, Trump culpou a China pelo coronavírus e disse que o país é o que mais polui o meio ambiente – nos últimos dias, as mudanças climáticas entraram na pauta da disputa pela Casa Branca. Como de hábito, o presidente americano fez críticas à ONU, dizendo que a entidade deveria focar nos “problemas reais” do mundo e reforçou o tom nacionalista de seu discurso.

“Por décadas, as mesmas vozes cansadas propuseram as mesmas soluções fracassadas perseguindo ambições globais às custas do seu próprio povo”, disse. “Somente quando você cuida dos próprios cidadãos é que encontra uma base verdadeira para a cooperação. Vocês devem colocar seus países em primeiro (lugar)”.

Em vídeo gravado previamente e apresentado minutos depois de Trump, Xi Jinping disse que uma mentalidade de guerra fria e posições ideológicas não são a solução para o problema de nenhum país, menos ainda a resposta aos desafios comuns da humanidade. Ele não citou os EUA em nenhum momento de sua fala.

O mandatário chinês também falou da pandemia do novo coronavírus em seu discurso, refutando a politização da doença que já infectou 31 milhões de pessoas e deixou ao menos 966 mil mortos. “Qualquer tentativa de politizar ou estigmatizar esse assunto deve ser rejeitada”, afirmou. Xi também disse que a China vai honrar o compromisso de oferecer US$ 2 bilhões em assistência internacional para apoiar países em desenvolvimento.

Coube ao embaixador da China na ONU, Zhang Jun, responder os ataques de Trump. “Enquanto a comunidade internacional está lutando contra a covid-19, os EUA estão disseminando um vírus político na Assembleia-Geral. Tenho que enfatizar que o ruído dos americanos é incompatível com a atmosfera da Assembleia”, disse a jornalistas.

Guterres pede para que mundo evite ‘nova guerra fria’

Na abertura do evento, o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, citou alguns “cavaleiros do Apocalipse” como ameaças para a humanidade: tensões geopolíticas, crise climática, desconfiança global e o lado obscuro dos avanços tecnológicos. Segundo o português, apenas o multilateralismo e a cooperação internacional é capaz de lidar com esses problemas, agravados pela pandemia de covid-19.

Em sua fala, ele disse que o mundo precisa fazer todo o possível para evitar ‘uma nova guerra fria’ e pediu para que os países reforcem os laços de cooperação no momento em que a ONU completa 75 anos.

“Estamos indo em uma direção perigosa. Nosso mundo não pode ter um futuro em que as duas maiores economias do planeta se dividem em uma grande fratura – cada uma com suas próprias regras de comércio e financiamento, internet e inteligência artificial. Uma divisão econômica e tecnológica tem o risco de se tornar uma divisão militar e geoestratégica. Precisamos evitar isso a todo custo”.

Declarações ilustram momento de divisão, diz pesquisadora

Na avaliação de Elaini Silva, doutora em direito internacional pela USP e professora do mestrado profissional da PUC-SP, a diferença nos discursos dos líderes das duas maiores potências econômicas do planeta reflete o espaço dos dois países na geopolítica planetária atual.

Para ela, as falas nacionalistas de Trump são a expressão de um país que tem perdido a posição hegemônica e poder no mundo enquanto outros atores surgem. “Trump falou muito mais para o seu ambiente interno e não usou o espaço das Nações Unidas para apresentar um projeto de mundo ou um ideal a ser alcançado”, afirma.

“A China, com seu crescimento econômico, é vista como um inimigo do Estado pelo Trump. E agora, além da economia, tem a questão do vírus. Foi um discurso muito mais belicoso”.

Por sua vez, as falas de Xi deixam claro o futuro que a China vislumbra para as Nações Unidas daqui para a frente e para o futuro da cooperação internacional. “O líder chinês desconsidera praticamente a existência dos Estados Unidos enquanto inimigo. Ele foca na experiência do que foi conquistado e construído institucionalmente e apresenta o plano da China para a ONU”, afirma.

Xi Jinping defende o fortalecimento de um sistema internacional baseado em regras, do qual as Nações Unidas são o principal exemplo, que foi criado em 1945 e completa 75 anos em 2020 sob ataques de políticos nacionalistas como Trump. “O discurso americano foi o da retração da presença do país no mundo. E o governo chinês aparece ocupando esse espaço deixado aberto”.

Por Paulo Beraldo

Estadão Conteúdo

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