Os incêndios em Mato Grosso neste período do ano são comuns, mas em 2020 as chamas atingiram proporções que puseram em alerta o País. Estudo realizado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) e divulgado nesta terça-feira, 1°, apontou que, em meio ano, as queimadas consumiram cerca de 1,7 milhão de hectares de todo o estado mato-grossense, o que equivale a uma área cinco vezes maior que a capital Cuiabá e cerca de onze vezes o território da cidade de São Paulo.
Dos três biomas existentes em Mato Grosso – Pantanal, Cerrado e Amazônia -, o que mais sofreu com as chamas foi o Pantanal, que teve 9% de sua área consumida, ou 560 mil hectares. Isso é nove vezes mais que todo o desmatamento ocorrido na região entre 2018 e 2019, que somou 59.950 hectares desmatados.
O estudo mostrou também que apenas 5% da vegetação destruída no Pantanal era “invasora”, ou seja, 95% do que ardeu em chamas foi de vegetação nativa. O bioma Amazônia teve 37% de sua áreas atingidas, e o Cerrado, 31%. Na avaliação da coordenadora do Programa de Transparência Ambiental do ICV, Ana Paula Valdiones, “é uma área grande de vegetação nativa atingida e está muito fora do padrão no bioma. É um impacto muito grande sobre a flora e a fauna”.
Para chegar a estes números e a estas áreas, o coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV, Vinicius Silgueiro, explicou que a metodologia implementada combinou dados dos focos de calor e a interpretação de sequência de imagens de satélite, acompanhando a transformação de áreas atingidas. “Os dados tornaram possível uma espacialização da área atingida. Dessa forma, conseguimos ter uma estimativa da área e não somente dos números de focos de calor.”
O estudo foi baseado em dados da plataforma Global Fire Emissions Database, da agência espacial americana Nasa e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “E foi a partir dessa metodologia que o estudo identificou que, desde o início do período proibitivo, cerca de 50 dias, apenas nove pontos iniciais de incêndio se alastraram e foram responsáveis pela destruição de cerca de 324 mil hectares, ou 67,5% da área total queimada no bioma neste período”, disse Silgueiro.
As nove frentes responderam por 68% de todos os focos de calor no período proibitivo no Pantanal mato-grossense. Os dados de focos de calor no Estado são do Inpe e compilados pelo ICV, via Monitor de Queimadas, plataforma de monitoramento lançada em julho pelo instituto.
Dos nove, cinco pontos estão em imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), três estão em áreas não cadastradas e outro na Terra Indígena Perigara, área indígena proporcionalmente mais impactada em todo o Estado, com 75% do território atingido. Em 17 de agosto, sete das nove áreas de incêndios ainda estavam ativas.
Segundo o ICV, metade da área afetada por incêndios, no período, incidiu em imóveis rurais inscritos no CAR, com 874 mil hectares contabilizados. A categoria é seguida das áreas não cadastradas, que tiveram 367 mil hectares consumidos pelo fogo.
Responsabilização
Para o ICV, os dados são importantes para fomentar ações de responsabilização pelos incêndios. Conforme Silgueiro, os imóveis cadastrados no CAR ocupam a maior área no Estado. Então, quando o fogo sai de controle, ele também se alastra por eles. Mas o dado também “é um indicador da origem da queimada, principalmente nos imóveis rurais privados, de uso agropecuário, e mostra a associação do uso do fogo na sequência do desmatamento para a limpeza da área”, explicou.
Segundo o instituto, houve o registro de 307 mil hectares em Terras Indígenas (TIs), das quais as mais impactadas foram Pareci e Parabubure, ambas localizadas no Cerrado. As TIs no Estado concentram 18% de toda a área afetada pelos incêndios no Mato Grosso.
Municípios mais atingidos
O município com maior área afetada por incêndios foi Poconé, com mais de 312 mil hectares atingidos (18% de toda a área incendiada no Estado), seguido de Barão de Melgaço e Cáceres. Juntas, as três cidades do Pantanal respondem por 31% da área impactada pelo fogo no Estado no período analisado.
O estudo aponta que as consequências “vão desde os impactos para a biodiversidade e equilíbrio ambiental até prejuízos econômicos, como o comprometimento do potencial turístico tão importante para a região”. A pesquisa também mostra que “um dos maiores impactos ocorre na saúde da população local com o aumento da frequência de doenças respiratórias, em meio ao auge da pandemia da covid-19 na região”.
Em nota, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema MT) afirma que, em 2020, foram aplicados, até agora, pela pasta e pelo Corpo de Bombeiros, R$ 107,3 milhões em multas por uso irregular do fogo. Com poder de polícia ambiental administrativa, a corporação passou a aplicar multas por queimadas irregulares e incêndios florestais.
A secretaria também informa que, apesar de o Estado ter feito campanhas educativas, “ainda assim existe a cultura do uso do fogo nesse período crítico de estiagem. Este é um enfrentamento que está sendo feito pelo Governo, mas a mudança leva tempo para ocorrer”. “Os dados do Comitê Integrado Multiagências (Ciman) já apontavam que este seria um ano crítico com relação às queimadas por causa do período de estiagem, com média de chuva 30% abaixo comparando a uma média histórica dos últimos 30 anos, o clima e a vegetação seca. Desta forma, foi preparado grande investimento em recursos financeiros e humanos. 2020 tem a maior infraestrutura já utilizada na história de Mato Grosso para combater os incêndios”, disse o texto.
A pasta estadual também afirma que há envolvimento direto de 400 militares do Corpo de Bombeiros, 100 brigadistas civis, 40 viaturas, dois helicópteros, dois aviões de combate a incêndio e um avião de monitoramento para operações de combate a queimadas. O Estadão também procurou o Ministério do Meio Ambiente, mas não obteve resposta.
Por Fátima Lessa, especial para, O Estadão
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