O deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo na Câmara e ainda aliado fiel do presidente Jair Bolsonaro, sugeriu uma mudança na lei para permitir que militares possam acumular dois “penduricalhos” com natureza semelhante. Pela proposta, integrantes das Forças Armadas poderiam receber ao mesmo tempo o adicional por tempo de serviço e a nova compensação por disponibilidade militar, criada no ano passado durante as discussões da reforma da Previdência dos militares.
A iniciativa do parlamentar, que ainda não foi analisada pelo governo, se soma a outras medidas que trazem benesses aos militares. Como mostrou o Estadão nessa segunda-feira, 31, o Ministério da Defesa teve aval da Advocacia-Geral da União (AGU) para que integrantes das Forças Armadas com cargo no governo possam acumular remunerações acima do teto do funcionalismo – R$ 39,3 mil. Os pagamentos fora do limite, no entanto, estão suspensos durante a pandemia da covid-19 e enfrentam resistência interna do Ministério da Economia. O vice-presidente, Hamilton Mourão, que é general da reserva, afirmou ser contrário por uma questão “ética e moral”.
Já no caso da sugestão de Vitor Hugo, o que está em discussão é o adicional por tempo de serviço, remuneração paga aos militares até 2001. Cada ano no serviço somava 1% a mais no salário. O governo de Fernando Henrique Cardoso extinguiu esse adicional, mas, na prática, quem já estava nas Forças Armadas continuou recebendo. Quem entrou depois nunca chegou a receber o benefício.
Bolsonaro, que tem os militares como parte da sua base eleitoral, propôs a nova compensação como uma forma de repor essa perda. Ele é pago em razão da “disponibilidade permanente e da dedicação exclusiva”. O porcentual varia entre 5% e 41%, a depender da patente, subindo na escala hierárquica, o que só ocorre com a passagem do tempo. O valor é um dos penduricalhos que se soma ao salário base dos integrantes das Forças Armadas, recebidos na ativa, na reserva e por pensionistas.
O acúmulo do adicional por tempo de serviço e o de disponibilidade hoje é proibido pela lei, mas há decisões judiciais permitindo. Casos envolvendo o assunto já foram julgados em primeira instância no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em dois deles, a Justiça Federal autorizou que militares pudessem receber os dois ao mesmo tempo – os juízes consideraram que são de naturezas distintas e que houve direito adquirido. Em outro, o magistrado vetou por entender que são “penduricalhos” semelhantes, mudando apenas a “roupagem”, e que a lei prevê de forma expressa não só a proibição no acúmulo como o pagamento apenas do adicional que for mais vantajoso ao servidor.
O impacto nas despesas com a criação do adicional de disponibilidade militar foi estimado em R$ 2,8 bilhões por ano. Esse valor, porém, considerava um abatimento das despesas com o adicional por tempo de serviço, que não poderia ser recebido ao mesmo tempo. Questionado pelo Estadão, o Ministério da Defesa não informou quanto custaria caso fosse permitido acumular os dois penduricalhos, nem respondeu a outras perguntas sobre a proposta de Vitor Hugo.
O governo editou um decreto na semana passada regulamentando o pagamento do adicional de disponibilidade. A norma reforça o entendimento de que “é vedada a concessão cumulativa do adicional de compensação por disponibilidade militar com o adicional de tempo de serviço”. Dois dias depois, Vitor Hugo propôs na Câmara a mudança para permissão.
O deputado diz que a indicação legislativa tem como propósito “aperfeiçoar a carreira dos militares das Forças Armadas, bem como a situação dos inativos, pensionistas e dependentes”. Ele afirma que a indicação “traz em si anseios de milhares de militares e pensionistas que confiam em soluções viáveis para os pleitos apresentados”. A indicação para “corrigir distorções” ainda não foi encaminhada oficialmente à Defesa.
Protesto
A sugestão de Vitor Hugo tem como objetivo debelar um movimento de militares de baixas patentes, reservistas e pensionistas, que prometem protestar contra o presidente em outubro, por três dias seguidos. Eles organizam uma manifestação na Praça dos Três Poderes, ameaçam um panelaço e parar para aguardar o presidente na frente dos Palácios da Alvorada (residência oficial) e do Planalto (sede da Presidência) nos dias 20, 21 e 22 de outubro.
O motivo é o que eles chamam de “desprezo” por parte de Bolsonaro, que teria privilegiado oficiais no projeto que mudou as carreiras no ano passado. Um dos motivos de descontentamento é justamente o pagamento de penduricalhos que elevam o salário de integrantes das Forças Armadas. Os praças reclamam de aumento desigual no “adicional de habilitação”, complemento que incide sobre o soldo e sobe à medida que o militar conclui cursos e atinge patentes mais altas na carreira. Pensionistas, por sua vez, se queixam de redução nos vencimentos por causa de contribuições compulsórias que passaram a descontar as pensões que recebem.
O movimento teve o incentivo de senadores ideologicamente alinhados ao governo que consideram que o Planalto “enrolou” a classe, entre eles o vice-líder Izalci Lucas (PSDB-DF) e Major Olímpio (PSL-SP), que se diz decepcionado com Bolsonaro.
Vitor Hugo tenta aplacar os ânimos da categoria, cortejada por partidos de esquerda – deputados do PSOL encamparam bandeiras dos insatisfeitos no Congresso. Ainda como líder do governo, cargo que deixou no último dia 18 para dar lugar a Ricardo Barros (PP-PR), num gesto político de Bolsonaro para agradar ao “Centrão”, ele recebeu sugestões, negociou com o grupo e articulou um encontro no Planalto com o ministro Luiz Eduardo Ramos (Governo) e servidores da Economia e da Defesa.
Então líder do governo na Câmara, o deputado fez parte das tratativas para aprovação da reforma dos militares, que mudou o sistema de aposentadoria e alterou salários no ano passado. Para acelerar a aprovação, os líderes fizeram acordos com associações de classe militares que tentavam mudar com emendas a proposta do Planalto e prometeram abrir uma mesa de negociação posterior, o que só ocorreu em julho, com atraso de seis meses. Um grupo de militares insatisfeitos, notadamente praças e pensionistas, reclama de efeitos negativos da reforma.
Por Felipe Frazão
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