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Tecnologia para traduzir ‘juridiquês’

Quem recebe uma intimação do juiz federal Marco Bruno Miranda não se depara com boas notícias, mas dificilmente p/ode culpar o mensageiro. Titular da 6.ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte, especializada em execução fiscal, Miranda assina, por exemplo, mandados cobrando o cidadão que deixou de pagar impostos e teve sua conta bloqueada.

Em vez de textos longos, e com palavras difíceis e termos em latim, os documentos assinados pelo juiz têm apenas duas páginas e são acompanhados de imagens que buscam deixar claro como o cidadão deve proceder. A peça conta até com um QR Code que, quando acionado, remete a um vídeo de quatro minutos, em que o magistrado dá mais explicações sobre o processo.

Iniciativas como a de Miranda, que buscam simplificar a linguagem jurídica tradicional, têm ganhado fôlego, e já pautam mudanças também no Ministério Público. No Rio de Janeiro, um projeto pretende realizar, a partir de setembro, uma oficina de simplificação para documentos de Ação Civil Pública. O desafio é que as petições iniciais não tenham mais de dez páginas – hoje algumas passam de 100 – e que evitem termos em latim ou de difícil compreensão para leigos.

Projetos semelhantes também já entraram no radar de laboratórios de inovação de outros Estados, como Santa Catarina e Ceará. “A transformação digital é uma realidade no mundo inteiro. No poder Judiciário, não é diferente”, afirma Miranda no vídeo que envia junto com um mandado de citação e intimação de penhora.

Para os que defendem a simplificação do “juridiquês”, a medida tem nítidas vantagens: garante um maior acesso dos cidadãos a informações jurídicas, diminui o tempo gasto na análise de cada processo e, por meio da padronização de documentos, possibilita a aplicação de inteligência artificial na Justiça.

No Rio, o projeto de simplificação é capitaneado pelo Inova_MPRJ, laboratório de inovação vinculado ao MP do Estado. Em agosto, o laboratório lançou um formulário interno e, dos 166 respondentes, 98,8% afirmaram ser preciso tornar os documentos judiciais mais claros e objetivos. Foi com base nas respostas, que também indicaram a petição inicial em Ação Civil Pública (ACP) como o documento prioritário na fila de mudanças, que o laboratório deu início ao projeto de simplificação do documento.

A iniciativa também se inspirou na atuação do promotor de Justiça Daniel Lima Ribeiro, atual coordenador do laboratório. Em 2017, quando estava à frente de uma promotoria de Saúde no Rio, ele elaborou um protótipo simplificado de petição inicial da Ação Civil Pública. “A gente lançou o desafio de limitar a 10 páginas a petição inicial, e eu brincava que era proibido falar estranho”, relata ele, que defende o fim do que chama de “rococó jurídico”.

Agora, o formato desenvolvido por Ribeiro servirá de modelo para o trabalho do Inova_MPRJ. Além da restrição do número de páginas, a ideia é que os documentos comecem com um parágrafo sintetizando os principais pontos, e terminem em formato de itens que resumem a estruturação lógica do argumento. Expressões como “com fulcro”, “noutro giro” e termos em latim devem ser evitados, assim como frases que ocupam parágrafos inteiros ou citações de trechos de decisões que não sejam pertinentes.

Se a simplificação da linguagem jurídica aumenta o acesso da população ao Direito, é preciso tomar cuidado para não cair no outro extremo, do uso de vocabulários muito próprios ao mundo da inovação. É o que diz o promotor de Justiça Guilherme Zattar, coordenador do Núcleo de Inovação do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC). “A gente está tentando também evitar o ‘inovês’, que geralmente usa muito estrangeirismo”, diz ele.

Segundo Zattar, o MP-SC pretende oferecer internamente cursos de linguagem simples e Visual Law (Direito Visual) para tornar o Direito mais claro e compreensível. A expectativa é de que os cursos comecem a partir de 2021.

No Ceará, o Lino, laboratório de inovação do Ministério Público do Estado, foi lançado este mês, e traz como um de seus eixos a transformação cultural, incluindo mudanças para a compreensão da linguagem. “Queremos comunicar de forma simples, e também não ser tão extensivos na produção dos documentos”, afirma o coordenador do laboratório e promotor de Justiça Hugo Porto.

Autora do livro Clareza em textos de e-gov, uma questão de cidadania, a jornalista e pesquisadora Heloisa Fischer, diz que iniciativas de simplificação da linguagem na esfera pública são recentes no Brasil, mas têm ganhado corpo principalmente desde o ano passado. “É exponencial, tem muita gente preocupada com isso”, diz ela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Fernanda Boldrin

Estadão Conteúdo

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