Durante pelo menos duas horas, os moradores do distrito de Corta Mão, em Amargosa, no Recôncavo Baiano, deixaram suas casas, sem entender por que a terra tremia sob os pés, na manhã do último domingo, 30. Um novo tremor, de 3,5 de magnitude, foi sentido às 3h42 desta segunda-feira, 31. Segundo especialistas, os terremotos registrados na Bahia podem ser explicados pela ocorrência dos chamados “enxames sísmicos”, quando acontece uma série de tremores em diferente locais, pelas falhas geológicas nas cidades onde foram sentidas e por uma espécie de “viagem” dos abalos para outras regiões.
Os tremores foram sentidos não apenas em Amargosa. Cidades mais distantes como Valença, no baixo-sul da Bahia, e até em Salvador, a 162 quilômetros de distância, também registraram o fenômeno. Ao menos 43 cidades baianas notaram tremores de terra neste domingo, de acordo com o Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (SP). Nas últimas 24 horas, foram pelo menos 11 tremores em Amargosa. Nesta segunda, os tremores também foram sentidos nas cidades de Brejões e Elísio Medrado.
O tremor mais forte, registrado às 7h44 do domingo, em Amargosa, teve uma magnitude de 4,6 na Escala Richter, ainda considerado fraco, mas forte o bastante para derrubar panelas, balançar prateleiras e causar pequenas fissuras em casas e telhas. A prefeitura municipal notificou rachaduras em seis casas e numa igreja católica da cidade. “Uma panela que estava na cozinha foi parar na sala. O telhado da casa de meu sobrinho ficou com algumas rachaduras”, contou o operador de máquinas Valmir Borges, de 47 anos, morador de Corta Mão. O primeiro terremoto registrado neste ano, na Bahia, foi na manhã do dia 28 de julho, no município de Ilhéus, no Sul do Estado. Foi um abalo de 3,5 de magnitude.
Região sismogênica
Os acontecimentos dos últimos dois dias, somados ao tremor ocorrido no mês passado, levantou a curiosidade do porquê a terra estar tremendo na Bahia. O geógrafo e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Carlos Uchôa explicou que os terremotos registrados na Bahia aconteceram com mais força justamente na região do Recôncavo, onde está localizada uma das três regiões zimogênicas do Nordeste – as outras duas são João Câmara, no Rio de Grande do Norte, e Palhano, no Ceará.
Uma região sismogênica é caracterizada pela maior propensão de acontecerem tremores, devido a falhas geológicas – espécie de fraturas nas rochas. Os terremotos, como definiu Uchôa, são provocados quando há “reativação dessas falhas”. “Essas fraturas nas rochas são muito antigas, mas podem ser reativadas. São zonas de fraqueza, onde se tem acúmulo de energia que torna mais fácil que haja um rompimento”, disse. A costa brasileira também possui falhas geológicas.
Para exemplificar, ele usou uma metáfora: imagine dois carros, um atrás do outro, mas com velocidades diferentes. Se o que estiver na frente for mais devagar e frear, o que estiver atrás, mais rápido, vai se chocar contra o outro veículo e ocorrerá dispersão de energia. “É uma analogia para mostrar que também as rochas não se movem em velocidades iguais e que há locais com mais falhas e outras com menos”, comparou.
Os terremotos podem, por isso, ser sentidos em outras cidades, devido a uma viagem dessas ondas sísmicas. É o que parece ter acontecido na Bahia. “Um terremoto viaja de um local para outro; quanto mais distante, vai perdendo força. Se acontecerem novos tremores, não será uma grande surpresa”, afirmou Uchôa.
Agora, acredita-se que a Bahia esteja numa fase de “enxames sísmicos”, que se caracteriza por essa “viagem” energética que faz a terra tremer com diferentes intensidades. Como o Brasil está localizado no meio de uma placa tectônica – a Sul-Americana – os abalos são sempre rasos, de 0 a 70 quilômetros de profundidade, sem causar grandes estragos. Além da explicação geográfica, há uma possibilidade temporal levantada pelo geógrafo Carlos Uchôa.
Terremotos mais fortes aconteceram há 100 anos
A última vez em que a terra tremeu com tanta intensidade na Bahia foi há aproximadamente um século. “Pode ser só uma coincidência, ou ter, de fato, um intervalo temporal dessa liberação de energia que causa esses terremotos”, disse. Entre 1915 e 1919, consta na história, até padres de igrejas católicas centenárias do Recôncavo Baiano relataram rompimento de paredes grossas e queda de muros.
“O monitoramento sismográfico brasileiro não é algo tão antigo. No Nordeste, é algo próximo a uma década. Agora a gente tem uma precisão maior daquilo que ocorre no Nordeste do Brasil. Há também mais registro, troca de informação, em redes sociais”, continuou o professor.
Acontece que, na maioria das vezes, os terremotos sequer são sentidos, embora ocorram. Até o dia 30 de agosto, o Estadão levantou, com base nos dados do Centro de Sismologia da USP, outros dois terremotos na Bahia – entre os dias 1º e 19 de agosto nas cidades de São Félix, também no Recôncavo Baiano, e Itororó, no Sul do Estado, com magnitude de 1.6 e 1.9, fracos demais para serem percebidos. O acompanhamento e interpretação dos dados registrados na Bahia são feitos pelo Laboratório de Sismologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (RN).
O coordenador do Laboratório contou ao Estadão que, devido à quantidade de tremores em Amargosa, na próxima quinta-feira, 3, dois técnicos desembarcarão na cidade para instalar equipamentos de medição de tremores. “Nossa desconfiança é de que o epicentro esteja em Corta Mão. Essa região chamou nossa atenção, e é importante a gente acompanhar e até fazer palestras para explicar para a população o que aconteceu”, afirmou. Hoje, o equipamento mais próximo de Amargosa fica em Ponto Novo, a 343 quilômetros de distância.
Por Fernanda Santana, especial para o Estadão
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