A reunião anual de dois dias do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) realizada em Jackson Hole, pequena estação de esqui do Wyoming, e que se encerrou na quinta-feira (27) ficará classificada como histórica. Jerome Powell, presidente do Fed, confirmou o que os profissionais do mercado esperavam. Depois de mais de um ano discutindo publicamente o assunto, o principal banco central do mundo anunciou que vai alterar a maneira de cuidar da moeda em relação à inflação.
Até aqui, a estratégia de perseguir uma meta de inflação e manter o crescimento econômico o maior possível tem sido severa quando os preços sobem demais. Agora, o Fed passará a usar o conceito ainda não definido de “inflação média”. Ou seja, a meta não muda, mas passa a ser calculada em um prazo mais longo. Como os preços ao consumidor estão ao redor de 1% ao ano faz tempo, o Fed será tolerante se a inflação subir para 3% ao ano.
Em vez de olhar apenas um mês, o banco central americano vai considerar períodos mais longos. Aparentemente simples, essa medida representa uma mudança drástica. Ela impedirá que movimentos de recuperação da atividade econômica sejam interrompidos cedo demais. Na prática, isso quer dizer que os juros americanos deverão permanecer no patamar atual de quase zero por muito tempo.
É uma grande mudança. Paul Volcker, que presidiu o Fed no início dos anos 1980, mandou os juros para 22% ao ano para debelar uma persistente inflação. Como resultado, os países emergentes que estavam endividados quebraram e o sistema financeiro americano teve problemas que levaram quase uma década para ser resolvidos. No entanto, Volcker quebrou a espinha dorsal da inflação de uma maneira tão definitiva que ela nunca mais apareceu, e garantiu três décadas de prosperidade aos Estados Unidos.
Quatro décadas e quatro presidentes do Fed depois, Powell enfrenta um desafio tão grave quanto o de Volcker, mas inédito. Powell tem de fazer a inflação americana, hoje em cerca de 1% ao ano, subir. Porém, os índices de preços ao consumidor dos Estados Unidos têm sido bastante refratários a subir, apesar dos estímulos que já injetaram US$ 5 trilhões no sistema bancário do país, e apesar de o Fed ter lançado mão de ferramentas inéditas – como a recompra direta de títulos privados.
Para o brasileiro médio (especialmente aquele com mais de 40 anos), que durante um longo tempo teve de enfrentar preços descontrolados, uma inflação muito baixa parece uma bênção. Porém, para um banqueiro central, preços inalterados ou em queda são um problema sério. Eles indicam uma economia estagnada, em que o dinheiro circula devagar e onde o padrão de vida tende a piorar. Mais do que isso, o receituário clássico para uma economia à baixa temperatura é reduzir os juros. Se os preços declinam e os juros já são baixos, isso representa menos armas no arsenal dos banqueiros centrais.
O Fed já vinha dando sinais de preocupação com a ineficácia da política monetária tradicional. A taxa de desemprego americana estava em 10,2% em julho, bastante abaixo do pico de 14,7% registrado em abril, mas muito acima dos 3,5% de fevereiro, último mês antes da explosão da pandemia. Agora, o banco central americano terá muito menos pruridos em estimular o emprego.
Essa mudança na política monetária americana não passou despercebida pelos investidores. Não por acaso, o índice de ações americano S&P 500 vem batendo recordes sucessivos e subiu 7,7% em 2020, sendo 6,3% apenas no mês de agosto, e ativos reais como o ouro chegaram a ser negociados a 2 mil dólares por onça (31,1 gramas).
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