Após o presidente Jair Bolsonaro vetar o corte de alguns benefícios sociais atuais, como o abono salarial, para turbinar o valor médio que será pago no Renda Brasil, a equipe econômica tenta encontrar outra solução para abrir espaço no Orçamento. Mas uma ala já admite que o novo programa pode acabar com um desenho “não tão diferente” do valor do benefício e do alcance do Bolsa Família.
Isso porque o governo precisa cumprir a regra do teto de gastos, que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Como Bolsonaro sinalizou que não quer revisar os programas que já existem hoje, mesmo os considerados ineficientes, o caminho teria de ser formular o Renda Brasil, pensado para ser a marca social do governo, com um gasto semelhante ao do Bolsa Família.
A avaliação na área econômica é que a revisão do abono salarial era “fundamental” para criar espaço no Orçamento para bancar o novo programa, que teria maior alcance e valor de benefício que o Bolsa Família. Bolsonaro defende um benefício de R$ 300 (o benefício médio do Bolsa Família é de R$ 190) e inclusão de uma parcela de pessoas que hoje recebem o auxílio emergencial, mas que não eram beneficiárias do programa criado na gestão petista. Só a extinção do abono, uma espécie de 14.º salário pago a trabalhadores com carteira assinada, poderia liberar R$ 20 bilhões.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em agosto de 2019, mostra que 39% dos benefícios do abono são pagos a um terço mais rico da população, que inclui pessoas com renda familiar por pessoa acima de R$ 1.010 a R$ 150 mil (em 2018).
Apenas 16% do abono salarial vai para o terço mais pobre, ou seja, quem tem renda familiar per capita até R$ 479. Outros 45% vão para aqueles com renda familiar por pessoa entre R$ 479 e R$ 1.010.
A realidade é bem distinta do Bolsa Família, que custa cerca de R$ 30 bilhões por ano e paga 77% dos benefícios para o terço mais pobre dos brasileiros.
A distorção no abono é possível porque o benefício é pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos (hoje o equivalente a R$ 2.090). Seu critério de concessão não analisa a renda familiar. No limite, o filho ou cônjuge de uma pessoa com renda mais elevada pode ter direito ao abono caso o próprio salário fique dentro do limite de dois pisos.
Além disso, quase metade do abono salarial é paga a trabalhadores da Região Sudeste, enquanto o Nordeste (onde a taxa de pobreza é o dobro da média nacional) fica com 22,4% do benefício. Na análise do Ipea, a contribuição do abono para a redução da pobreza no País é equivalente a zero.
Alcance
Segundo dados do governo, dos 24,5 milhões de trabalhadores elegíveis ao abono salarial entre 2019 e 2020, apenas 8,6 milhões ganhavam até um salário mínimo (35% do total). Em termos de gastos, os trabalhadores que recebiam o piso nacional respondiam por uma despesa de R$ 3,95 bilhões do abono (21% do gasto total de R$ 19,1 bilhões).
Além do abono, estão na mira dos técnicos mais de 20 ações do governo, como o seguro-defeso (pago a pescadores artesanais no período de reprodução dos peixes, quando a pesca é proibida), entre outros. Nenhum, porém, renderia uma economia tão vultosa quanto o abono.
No início de sua gestão, Bolsonaro deu aval a uma proposta de redução do alcance do abono salarial, que foi incluída na reforma da Previdência, mas acabou sendo rejeitada pelos parlamentares. A percepção dentro do governo, porém, é que o momento político agora é outro e o custo político da proposta da Economia é alto para quem quer elevar sua popularidade.
Um novo encontro de Bolsonaro com ministros foi marcado para amanhã, mas ainda não foi oficializado pelo Planalto.
Segundo apurou o Estadão, técnicos que trabalham no desenho do Renda Brasil se reuniram ontem para dar início aos ajustes pedidos pelo presidente, que quer uma solução sem passar pela revisão do abono.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Idiana Tomazelli e Jussara Soares
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