Categories: Economia

O agronegócio que funciona sem desmatar

Responsável por um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o agronegócio é um dos poucos setores que vão crescer este ano em meio à pandemia do coronavírus. Com a expectativa de colher uma safra recorde de grãos – o faturamento do setor “da porteira para dentro” deve atingir R$ 730 bilhões em 2020 -, a agricultura nacional ganhou os holofotes este ano não pelo seu bom desempenho financeiro no campo, mas pela imagem negativa no exterior: a de um País que desmata.

Um dos maiores produtores de grãos, cana e carne do mundo, o Brasil está em meio a um tiroteio entre o governo, ambientalistas e investidores estrangeiros desde o ano passado, com o crescimento das queimadas da Amazônia e aumento do desmatamento da floresta.

Sob ameaça de boicote aos produtos brasileiros por parte dos países importadores e pressão de fundos internacionais, empresários brasileiros decidiram cobrar do governo federal ações concretas para a agenda ambiental e provar para o mercado internacional que a agroindústria brasileira é sustentável e tem condições de avançar sem derrubar uma árvore.
A interlocução do setor privado tem sido com o vice-presidente, Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal e tem promovido encontros com empresários para debater o tema.

“O setor privado está liderando esse processo (de discutir a sustentabilidade). Não é mais só papel das ONGs ficarem cobrando por isso. Empresários brasileiros estão participando desse debate. A novidade é que as cadeias estão mais organizadas. Os grandes varejistas e consumidores globais estão cobrando mais sobre a origem dos alimentos”, diz Marcos Jank, professor e pesquisador sênior do agronegócio global do Insper.

Problema antigo

Para o especialista, os problemas que o País está enfrentando hoje no agronegócio são antigos. “Passam pela regularização fundiária, comando e controle das áreas nas bordas do bioma amazônico e falta de regularização do Código Florestal”, diz.
Segundo Jank, o problema do desmatamento ilegal não é de natureza agrícola, e sim uma questão fundiária. “Diz respeito à posse da terra. Há 50 milhões de hectares de terras devolutas no Norte do País.”

O agronegócio brasileiro não precisa da Amazônia para crescer, ressalta Pedro de Camargo Neto, uma das principais lideranças do setor e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Estima-se que menos de 2% dos produtores sejam responsáveis por 62% do desmatamento ilegal na Amazônia e no cerrado brasileiro, de acordo com a publicação da revista científica Science.

“Tem de seguir a lei. No fundo, o Código Florestal virou irrelevante porque não se fiscaliza”, reforça Camargo Neto. Mas, para o líder do setor, o agronegócio brasileiro é um dos mais eficientes do mundo e não deve ser penalizado pelos que praticam a agricultura predatória.

Também especialista em comércio exterior, Jank diz que o principal cliente do agronegócio brasileiro não é a Europa e os Estados Unidos, mas sim o mercado asiático. Na Europa, segundo ele, a preocupação hoje é claramente com as práticas socioambientais: crescimento sustentável, relações entre agricultura e desmatamento, mudança do clima, uso da água e da terra, mas esses temas ainda não chegaram ao centro da agenda asiática. “Já a preocupação da Ásia é a necessidade de aumentar a produtividade da agricultura e a qualidade e sanidade dos alimentos.”

“A grande maioria do agronegócio é séria – tem boa origem, rastreabilidade e não faz desmatamento. Mas o fato é que existe um desmatamento crescente e uma pressão internacional por conta disso. Temos de fazer entre nós um esforço para combatê-lo”, diz o empresário Guilherme Leal, um dos fundadores da empresa de cosméticos Natura – empresa referência em sustentabilidade no País e no mundo.

Leal também é dono da empresa de chocolates finos Dengo. O empresário comanda no sul da Bahia um projeto para estimular a produção de cacau sustentável na Mata Atlântica, mostrando que é possível integrar a cadeia produtiva à indústria.

Com uma produção de grãos estimadas em cerca de 250 milhões de toneladas, o plantio ocupa uma área de 65 milhões de hectares – a tecnologia tem avançado na agricultura brasileira. Parte dos produtores também está priorizando a redução de agroquímicos em suas áreas de cultivos para buscar um manejo mais sustentável no campo.

Para Jank, o Brasil tem total condição de liderar processo da agricultura mais sustentável do mundo e já adota práticas como o plantio direto, integração entre lavoura, pecuária e floresta, a produção de biocombustíveis e agricultura de baixo carbono.

Mas o conceito de sustentabilidade é muito amplo, lembra Camargo Neto. “Não dá para dizer que o plantio com grãos transgênicos e uso de agroquímicos não sejam sustentáveis”, diz um dos principais líderes do agronegócio. “A atividade agrícola também tem de ter sustentabilidade econômica ao produtor para ser viável.”

Para especialistas e empresários ouvidos pelo Estadão, é preciso também combater a desinformação lá fora a respeito do Brasil. “A imagem do Brasil está arranhada lá fora sim. Mas há uma fração majoritária de injustiça. O garimpo não é agro e a extração de madeira ilegal também não tem o apoio da agricultura”, diz o professor Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Mônica Scaramuzzo

Estadão Conteúdo

Recent Posts

ABBC, Acrefi e Zetta divulgam manifesto contra PL 4.395, que altera regras do FGC

Três entidades financeiras que representam instituições de pequeno e médio portes divulgaram nesta sexta-feira, 22,…

8 horas ago

Paper recorre de decisão do Cade que suspendeu direito de voto na Eldorado

A Paper Excellence apresentou recurso para suspender a decisão da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de…

8 horas ago

Petrobras não está interessada em empilhar dinheiro, diz Magda sobre dividendos

A presidente da Petrobras disse nesta sexta-feira, 22, que, existindo "garantia de viabilidade" para o…

10 horas ago

Banco do Brasil: Clientes aplicaram R$ 4,7 mi no Tesouro via WhatsApp desde lançamento

Os clientes do Banco do Brasil investiram R$ 4,7 milhões no Tesouro Direto utilizando o…

10 horas ago

Setor automotivo da Bosch planeja cortes de empregos expressivos nos próximos anos

A Bosch anunciou nesta sexta-feira, 22, que irá cortar cerca de 5500 cargos nos próximos…

11 horas ago

Getnet escolhe Juan Franco, ex-Nuvei, como novo CEO global

A Getnet, empresa de maquininhas de origem brasileira e que pertence ao Grupo Santander, anunciou…

12 horas ago