Com o prazo para o envio do Orçamento de 2021 ao Congresso se aproximando, no dia 31 deste mês, e em meio às demandas econômicas que surgiram por causa da pandemia, a disputa por recursos públicos se acentuou e ressuscitou o debate sobre o teto dos gastos, que já havia sido extenso em 2016. A emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação foi aprovada pelos parlamentares naquele ano, mas, agora, está ameaçada e provocando discussões entre economistas, ministros, políticos e o presidente Jair Bolsonaro, que tem flertado com medidas que ampliam as despesas e alavancam sua popularidade.
Na semana passada, um grupo de 96 economistas divulgou um documento para defender não só o teto, mas também a redução dos gastos públicos para que o limite imposto em 2016 não seja rompido. O manifesto apoia medidas defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e foi organizado por Pedro Jobim, sócio-fundador da gestora de recursos Legacy Capital e doutor em economia pela Universidade de Chicago, berço do liberalismo pelo qual também passou Guedes.
Jobim não quis falar com a reportagem, mas o documento defende a criação de gatilhos que, ao serem disparados em uma situação de emergência fiscal, impõem a contenção de despesas obrigatórias do Orçamento – algo já defendido pelo governo através da Proposta de Emenda à Constituição 186. Uma das medidas de contenção seria a redução de até 25% da jornada e da remuneração dos servidores durante um estado de emergência fiscal. “Focar o debate no teto é um enorme erro. É preciso focar no gasto público, que é excessivo”, diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Capital e um dos economistas que assinou o documento.
Outra signatária, a economista Ana Carla Abrão afirma que este é o momento ideal para iniciar uma discussão sobre as escolhas do País. “Do Orçamento, quanto vai para pagamento de servidor? Quanto vai para o Judiciário? Está na hora de a discussão ser uma ferramenta de transparência e diálogo com a sociedade. É mostrar para o povo o desastre das nossas escolhas.” Na avaliação dela, romper o teto criará uma situação descontrolada na área fiscal, prejudicando a capacidade de recuperação econômica do País.
Na sexta-feira, foi a vez de um grupo contrário ao teto se posicionar. Em artigo assinado por 381 economistas – a maioria ligada à academia -, eles defenderam a extinção da ferramenta e afirmaram que o “aumento do endividamento público é um fenômeno global, não restrito ao Brasil”. O documento foi uma iniciativa da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia e teve como um de seus autores José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília.
“(O fim do teto é) fundamental para manter o Estado funcionando e para o País ter condição de sair de uma depressão. O único país do mundo discutindo retorno de ajuste fiscal em 2021 é o Brasil”, diz o economista. Ainda segundo ele, o argumento de que o limite para despesas públicas daria credibilidade e atrairia investimentos não se confirmou na prática. “Isso nunca aconteceu.”
Investimento
Também na semana passada, o economista-chefe da consultoria LCA, Braulio Borges, publicou um artigo em que afirma que o documento dos 96 economistas é omisso ao não mencionar os problemas do teto. Borges diz que o teto de gastos não se sustenta até 2026. “Para ser cumprido, ele fará o investimento público ir a zero mesmo se forem feitas reformas agressivas que reduzam a despesa obrigatória”, diz ele, que destaca ainda não ser contra o limite de despesas, mas a favor de uma reformulação.
Borges defende a proposta dos economistas Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco, que também apontam insustentabilidade no teto. Apresentada há um ano, a proposta sugere a criação de um subteto para investimentos. A alteração, porém, só deveria ser feita em 2023.
“Até lá, teríamos seis anos de cumprimento do teto e a retomada da trajetória declinante da relação entre déficit público e PIB. Aí, acho que dá para rediscutir o assunto. Nas atuais circunstâncias, acho que seria suicídio”, diz Giambiagi.
O economista afirma que a mudança precisa estar associada a um grande pacto político, como ocorreu em 2016. “Não vejo um comprometimento entre Executivo e Legislativo que permita dar segurança de que, no processo de tramitação, não será aprovada alguma maluquice.”
O economista Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também está no grupo dos que defendem um controle de gastos, mas não conforme as regras atuais do teto. “Desde que foi criado, estava claro que era inviável e agora isso ficou evidente com a dificuldade para investir. Entendo que os investimentos, por exemplo, têm de ficar fora desse teto.”
Até agora, diz ele, o governo permitiu o aumento de despesas, como a de pessoal, e só cortou investimentos. “Não fez nada para evitar que o gasto chegasse ao patamar atual e só ficou esperando bater no teto.”
O debate sobre a flexibilização do teto mostra que discussões mais profundas precisam ser feitas para resolver a escalada das despesas obrigatórias, que alcançam cerca de 90% do Orçamento, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper. “O teto é um sinal amarelo de que temos um problema. Esse problema é o gasto obrigatório, que inclui Previdência e despesa com pessoal, que não para de crescer”, afirmou o economista.
PONTO A PONTO
O que é o teto dos gastos?
É uma regra que estabelece limite para gastos públicos. Imposta por emenda constitucional em 2016, no governo Temer, e com duração de 20 anos, ela limita despesas e investimentos públicos aos valores gastos no ano anterior corrigidos pela inflação.
Para que serve?
A regra foi criada após o País registrar dois anos consecutivos de déficit público (quando as despesas são superiores às receitas), em uma tentativa de segurar o crescimento da relação entre dívida pública e PIB. Ainda assim, o Brasil continuou tendo déficits nos anos seguintes. Para 2020, a previsão era que o déficit fosse de R$ 124,1 bilhões. Com o crescimento das despesas por causa da pandemia e a queda na arrecadação com impostos, o déficit deverá ficar em R$ 787,5 bilhões, segundo o Ministério da Economia. Esse aumento deverá fazer a dívida pública saltar dos 75,8% do PIB, registrados no fim de 2019, para 98% em 2020.
O que dizem os que defendem o teto?
Segundo eles, a ferramenta garante o equilíbrio das contas públicas e, portanto, mantém a taxa básica de juros, a Selic, em um patamar mais baixo. Isso porque, se a dívida aumenta, os investidores podem desconfiar da capacidade de pagamento do País e exigir maiores taxas de juros para emprestar. Essa taxa de juros mais baixa é responsável por atrair capital e incentivar investimentos privados.
O que dizem os que são contra?
Eles afirmam que a ferramenta limita o investimento público, dificultando o crescimento econômico e prejudicando a oferta de serviços como saúde e educação. Como as despesas não podem crescer e o Estado tem uma obrigação com salários de servidores públicos e aposentadorias – que continuam crescendo, apesar da reforma previdenciária -, sobra cada vez menos para investimentos. Muitos defendem retirar os investimentos públicos da conta do teto, dado a importância deles para impulsionar a economia em momentos de crise. Outros dizem que seria necessário que o teto fosse reajustado acompanhando a inflação e, também, o crescimento populacional. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Luciana Dyniewicz e Renée Pereira
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