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Entre cientistas, mais desconfiança que otimismo

Quando o governo russo programou uma vacinação em massa contra o coronavírus para outubro, os cientistas brasileiros mostraram mais desconfiança e cautela do que otimismo com a perspectiva de cura da doença. As dúvidas aumentaram ontem, quando o presidente Vladimir Putin afirmou que a Rússia se tornou o primeiro país do mundo a aprovar a regulamentação para uma vacina contra a covid-19. E ela já tem um nome, Sputnik V, lembrando a “vitória” da antiga União Soviética ao lançar o primeiro satélite artificial ao espaço, em 1957.

A possibilidade de se “pular” etapas de testes para acelerar a distribuição da vacina e a falta de transparência dos resultados deixam dúvidas sobre sua eficácia. O Ministério da Saúde da Rússia informa que as pesquisas estão na fase 3, a última e mais importante – mas não divulgou estudos em nenhuma revista científica sobre os resultados das fases anteriores. Segundo o órgão, a Sputnik V está apta para ser distribuída à população.

Há controvérsias

De acordo com o site russo Meduza, criado por jornalistas independentes, a Associação de Organizações de Pesquisa Clínica, que reúne empresas farmacêuticas e de pesquisa, aponta que a vacina ainda está na fase I-II, segundo o registro de ensaios clínicos. A previsão de conclusão seria apenas em dezembro. Outro site, o Clinical Trials, criado nos EUA, repete o dado: os estudos russos ainda estão na fase 1 e 2.

Como comparação, a vacina Coronavac, parceria do Instituto Butantã com a empresa chinesa Sinovac Biotech, vai precisar de 90 dias para concluir a fase 3. Se os testes derem certo, ela deve estar disponível apenas no início de 2021. O experimento russo tem menos de dois meses de testes em humanos. “Temos 26 vacinas em fase clínica de estudos e seis na fase 3. A vacina russa está em fase 1. Mas o governo está indicando uma vacina pronta em agosto”, compara a infectologista Cristina Toscano, da área de Patologia Tropical da Universidade Federal de Goiás.

Para a professora, isso é impossível “porque pressupõe, necessariamente, estudos de fase 3, que não podem ser feitos sem a conclusão da fase 2”. Representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), e única sul-americana a integrar o GT de Vacinas para covid-10 no grupo estratégico da Organização Mundial de Saúde, ela está diretamente envolvida na busca por uma vacina contra o covid. . Seu papel é revisar, com os outros 14 integrantes do grupo, as evidências disponíveis sobre o progresso das vacinas em andamento.

No escuro. Nessa mesma linha, a bióloga Natalia Pasternak, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, ressalta a falta de compartilhamento dos dados da vacina russa. “A comunidade científica mundial está no escuro. É motivo de muita preocupação. Temos uma população de cerca de 150 milhões de pessoas (na Rússia) que vai começar a ser vacinada sem que conheçamos os efeitos.”

Queimar etapas na criação de uma vacina para acelerar sua distribuição levanta questões éticas, ressalta o virologista Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária da USP. “Esses estudos geram dúvidas na comunidade científica mundial por causa da intenção dos envolvidos de saltar etapas e passar diretamente ao uso da vacina em escala mais ampla”, opina o especialista. “Não é ético fazer isso.”

Como em Oxford. Alheia à desconfiança da comunidade científica internacional, a Rússia acelerou seu cronograma por determinação do presidente Vladimir Putin. Em reunião transmitida pela TV estatal, ele afirmou que uma de suas filhas tomou a vacina. “Sei que funciona de maneira bastante eficaz”, disse Putin.

A infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emilio Ribas, afirma que a vacina russa utiliza a plataforma do vetor-viral, a mesma técnica utilizada pela Universidade Oxford, que possui os estudos mais promissores sobre a vacina. “A única diferença é que os russos usam dois adenovírus, mas essa é uma das poucas informações que nós temos”, critica.

Na verdade, a vacina divide opiniões até entre os cidadãos russos. A jornalista Daria Kornilova, 45 anos, acredita que a vacina é uma ferramenta de propaganda. Para Natália Zhavoronkova, de 32 anos, “ninguém vai arriscar a saúde da população”. “Se a vacina não funcionar do jeito esperado o triunfo pode virar catástrofe”, opina a gerente de TI. O ministro da Saúde da Rússia, Mikhail Murashko, anunciou que a vacinação em massa começa em outubro. Ela já foi administrada a 38 pessoas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Gonçalo Junior

Estadão Conteúdo

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