No dia 29 de junho, quando o Brasil se aproximava de 60 mil mortos pela covid-19 e já ultrapassava 1,3 milhão de pessoas infectadas, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, mandou carta aos índios Waimiri Atroari, de Roraima, afirmando que compreendia a necessidade de isolamento imposta pela doença, mas que não podia mais esperar o surto passar e que sua equipe tinha de entrar na terra indígena.
O presidente da Funai – que, nove dias depois, contrairia covid-19 – argumentou que os índios tinham de permitir a entrada de funcionários nas aldeias para dar continuidade ao licenciamento ambiental da linha de energia que pretende ligar Manaus (AM) a Boa Vista (RR). Seu objetivo era enviar tradutores do estudo de impacto ambiental para dentro da terra indígena, para que o material fosse traduzido para a língua dos Waimiri. A resposta dos índios, porém, foi negativa e a vistoria não pôde ser realizada.
Roraima é hoje o único Estado do Brasil que não está conectado ao sistema interligado de transmissão de energia, e o presidente Jair Bolsonaro cobra a liberação da obra desde que entrou no Palácio do Planalto. Também o ministro de Minas Energia, Bento Albuquerque, já declarou várias vezes que a obra iria começar, mas a autorização não saiu até hoje.
Leiloada em setembro de 2011, a linha de transmissão Manaus-Boa Vista tinha prazo de três anos para ficar pronta, com entrada em operação prevista para janeiro de 2015. O impasse sobre a questão indígena, no entanto, paralisou o empreendimento, que corta a terra demarcada dos Waimiri. Do total de 721 quilômetros do traçado previsto para ser erguido ao lado da BR-174 (rodovia que liga as duas capitais), 125 quilômetros passam dentro da terra indígena, onde vivem mais de 2,1 mil índios em 56 aldeias.
Os povos indígenas não são contra o projeto, mas exigem que sejam consultados e que tenham seus pedidos atendidos por causa dos impactos ambientais. Em julho do ano passado, a concessionária Transnorte Energia, que venceu o leilão da linha, chegou a apresentar um pacote de indenizações no valor de R$ 49,635 milhões. No estudo, a empresa afirmava que tinha identificado 37 impactos da obra nas terras indígenas. Havia ainda outros 27 impactos considerados irreversíveis, com reflexo constante à população indígena. Não houve avanço para a conclusão do processo.
‘Alternativas’
Na carta a qual o Estadão teve acesso, o presidente da Funai admite que “a intenção inicial era de que se aguardasse o fim da pandemia para dar início aos trabalhos de tradução”. No entanto, prossegue, “deve-se levar em consideração que, diante da incerteza do prazo para o fim da pandemia, estamos buscando novas alternativas para podermos dar continuidade aos trabalhos”.
Xavier destacou ainda que a ausência da linha, conforme apontado pelo governo em relatório do Tribunal de Contas da União, custava R$ 133 milhões por mês ao consumidor de energia de todo o País, porque Roraima tinha de ser iluminada com usinas térmicas locais, movidas a óleo, que são mais caras.
A resposta dos índios chegou no dia 24 de julho. Também em carta, o presidente da Associação Comunidade Waimiri Atroari, Mario Parwe Atroari, deixa claro que não abrirá mão do isolamento social. “Não vemos novas alternativas eficientes que impeçam essa doença de chegar à terra indígena Waimiri Atroari, senão o isolamento social e respeito à quarentena.”
Procurada, a Funai disse em nota que que “está atendendo a todos os protocolos de consulta sem colocar os indígenas em situação de risco e buscando não interromper o diálogo com a etnia”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por André Borges
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