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Projeto de deputado do PSL para restringir tombamentos é repudiado por arquitetos

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil lançou manifesto na última sexta, 31, contra um projeto de lei do deputado Fábio Schiochet (PSL-SC) para alterar o marco legal da organização do patrimônio histórico e artístico nacional, aprovado em 1937, que instituiu o tombamento de bens culturais no País.

O manifesto pede o arquivamento do PL nº 2.396/2020, que está em início de tramitação na Câmara, classificado como ‘atentado contra a memória cultural’ brasileira. A entidade também denuncia suposta falta de embasamento técnico do texto e afirma que a apresentação da proposta foi motivada pela oposição do parlamentar ao tombamento de conjuntos rurais em Jaraguá do Sul, sua cidade natal, localizada a 160 quilômetros de Curitiba, e no município vizinho de Pomerode.

“Compartilhamos a visão do CAU/SC quando denuncia a falta de embasamento técnico e conceitual na elaboração do PL, bem como o assombro pelo fato gerador ter sido a contrariedade do parlamentar com os procedimentos do IPHAN em relação a um tombamento isolado”, diz um trecho do manifesto.

No projeto de lei, o deputado argumenta que o processo de tombamento vem ‘se mostrando uma ferramenta perniciosa e nefasta para a preservação do patrimônio’. Ainda de acordo com o texto, a lei ‘negligencia a realidade socioeconômica da região na qual o bem objeto de tombamento está inserido’.

Entre as mudanças propostas por Schiochet está o ‘tombamento de fachada’, que prevê a preservação da frente do imóvel, mas permite alterações e intervenções no restante da estrutura. Outro ponto sugerido por ele é o fim da prerrogativa de tombamento compulsório, que passaria a ser atrelado a consultas públicas. O deputado também quer acabar com multa caso a intervenção no bem tombado seja feita para evitar algum dano grave ou risco à vida.

“Reduzir esse esforço à mera preservação de fachadas, ou, mais grave ainda, permitir demolições de imóveis tombados sem punições, como proporciona o PL nº 2.396/2020, significaria retirar das futuras gerações a compreensão da civilização brasileira, apagando importantes traços da memória e da identidade de nosso povo. Além disso, sacrificaria dezenas de cidades que possuem sua economia pautada no patrimônio cultural, vinculada à prática de atividades como o turismo cultural e a produção de produtos artesanais ou industriais de base cultural”, sustenta o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil.

Em outra frente, a classe vem manifestando oposição ao governo desde a nomeação da turismóloga Larissa Dutra, mulher de um ex-segurança do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), para chefiar o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pela preservação de monumentos e construções históricas e culturais do país. Os profissionais e servidores veem em Larissa um nome apadrinhado sem requisitos técnicos para o cargo.

A escolha, formalizada em maio, chegou a ser suspensa liminarmente pela Justiça Federal do Rio de Janeiro em ação popular movida pelo deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), mas acabou revista em segunda instância após recursos apresentados pela União e pelo próprio Iphan.

A crise foi agravada depois que o próprio Bolsonaro admitiu interferência no órgão durante reunião ministerial – o que pode configurar advocacia administrativa. O caso está sob análise da Procuradoria-Geral da República.

“Eu fiz a cagada em escolher, não escolher uma pessoa que tivesse também outro perfil. É uma excelente pessoa que tá lá, tá? Mas tinha que ter um outro perfil também. O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô! Para a obra. O que que tem que fazer? Alguém do Iphan que resolva o assunto, né? E assim nós temos que proceder”, disse Bolsonaro durante reunião em 22 de abril.

A ex-diretora do Iphan, Kátia Bogéa, foi demitida da direção do órgão depois de o empresário Luciano Hang, amigo e doador da campanha eleitoral de Bolsonaro, reclamar no Twitter, em 7 de agosto de 2019, que o Instituto teria embargado a obra de uma loja sua. Em sua postagem, Hang disse: “Nossa obra em Rio Grande (RS) está parada porque encontraram fragmentos de pratos. Fomos obrigados pelo Iphan a contratar um arqueólogo. Queremos inaugurar a loja em novembro, mas como os burocratas no Brasil não têm pressa, me pergunto: quando teremos uma resposta do Iphan?”.

COM A PALAVRA, O DEPUTADO FÁBIO SCHIOCHET

A reportagem entrou em contato com o deputado Fábio Schiochet (PSL-SC), autor do Projeto de Lei nº 2.396/2020, e aguarda retorno. O espaço está aberto para manifestações.

MANIFESTAÇÃO DO CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil manifesta apoio integral à Deliberação Plenária nº 501 do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina que propõe o arquivamento do Projeto de Lei nº 2.396/2020 em trâmite na Câmara Federal, cujo objetivo é alterar dispositivos do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, marco legal que trata da organização do patrimônio histórico e artístico nacional e instituiu o tombamento de bens culturais em âmbito nacional.

A alteração do procedimento do instituto jurídico do tombamento estabelecido pelo Decreto-Lei nº 25/37, proposta pelo Deputado Federal Fábio Schiochet, atenta contra a memória cultural do país.

Compartilhamos a visão do CAU/SC quando denuncia a falta de embasamento técnico e conceitual na elaboração do PL, bem como o assombro pelo fato gerador ter sido a contrariedade do parlamentar com os procedimentos do IPHAN em relação a um tombamento isolado.

É preciso ressaltar que o instrumento do tombamento, através dos processos de preservação realizados, possibilitou que o Brasil tivesse bens inscritos na lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, tais como a cidade de Brasília; os centros históricos Paraty, Diamantina, Ouro Preto, Salvador, São Luiz, Olinda, São Cristóvão e Goiás; o Santuário do Bom Jesus do Congonhas; o Cais do Valongo; a Paisagem Cultural do Rio de Janeiro; e o Conjunto Moderno da Pampulha.

A mutilação do Decreto-Lei nº 25/37 significaria, em última instância, condenar à extinção o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Devemos ao incansável trabalho do IPHAN e de seus servidores as assertivas políticas públicas de proteção e preservação do patrimônio cultural existentes em todo o território nacional, que resultaram na conscientização de expressiva parcela dos cidadãos e demais instâncias federativas. Além disso, o IPHAN é uma das mais respeitadas instituições nacionais de patrimônio cultural no mundo, que há décadas construiu uma sólida relação com a UNESCO e outras entidades afins, tais como, o Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS) e o Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro de Bens Culturais (ICCROM).

Com mais de 80 anos de existência, estão sob os cuidados do IPHAN, além dos processos de tombamentos, a fiscalização e orientação da gestão de mais de 1200 edificações tombadas e de 83 conjuntos urbanos, testemunhos da história da sociedade brasileira e, portanto, de interesse público. A inscrição de um bem no Livro de Tombo do IPHAN passa por um rigoroso processo científico, envolvendo não apenas estudos arquitetônicos, mas igualmente de outras áreas de conhecimento.

Reduzir esse esforço à mera preservação de fachadas, ou, mais grave ainda, permitir demolições de imóveis tombados sem punições, como proporciona o PL nº 2.396/2020, significaria retirar das futuras gerações a compreensão da civilização brasileira, apagando importantes traços da memória e da identidade de nosso povo. Além disso, sacrificaria dezenas de cidades que possuem sua economia pautada no patrimônio cultural, vinculada à prática de atividades como o turismo cultural e a produção de produtos artesanais ou industriais de base cultural.

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, aliando-se ao CAU/SC, empenhará máximo esforço junto aos parlamentares, às instituições públicas e privadas e à sociedade em geral para que o inoportuno PL nº 2.396/2020 seja arquivado pela Câmara dos Deputados.

Brasília, 31 de julho de 2020

Por Rayssa Motta

Estadão Conteúdo

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