A ofensiva do procurador-geral da República, Augusto Aras, na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba lança incertezas sobre o destino da operação que desbaratou um esquema bilionário de corrupção, alterou a correlação de forças da política nacional e levou à cadeia importantes líderes do País, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até setembro, Aras vai decidir o futuro do grupo coordenado pelo procurador Deltan Dallagnol, mas já deixou claro que pretende impor uma “correção de rumos” com a adoção de um novo modelo de investigação, sem métodos “personalistas” nem “caixas-pretas”.
Depois das interferências políticas do governo na Polícia Federal, no Coaf e na Receita, a Lava Jato virou a bola da vez, alvo de um “alinhamento de interesses” nos bastidores que inclui Aras, o presidente Jair Bolsonaro, uma ala do Supremo Tribunal Federal (STF) e partidos de variados espectros ideológicos, incluindo figuras do Centrão, bolsonaristas e da oposição. Até parlamentares do PT elogiaram a postura de Aras contra a Lava Jato, algoz da cúpula do partido.
Aliados do presidente temem uma eventual candidatura de Sérgio Moro ao Palácio do Planalto em 2022, depois que o ex-juiz federal deixou o governo fazendo acusações contra Bolsonaro, o que levou à abertura de inquérito no STF.
“É necessário resguardar a independência externa do Ministério Público e a independência interna dos procuradores que não são subordinados do PGR. Vejo o conflito com pesar. Os resultados da operação Lava Jato falam por si e deveriam ser valorizados pela Procuradoria-Geral da República”, disse Moro ao jornal O Estado de S. Paulo.
Integrantes do Ministério Público Federal (MPF) de diferentes alas avaliam que os movimentos de Aras expõem suas intenções de concentrar poder na cúpula da PGR, em uma ameaça à independência funcional dos procuradores.
Também apontam que Aras – que chegou ao cargo por indicação de Bolsonaro, sem participar de votação interna da classe – não tem liderança nem diálogo com os pares e tenta se cacifar para uma das duas vagas que serão abertas para o Supremo até 2021.
Em 10 de setembro vence o prazo para renovação da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, grupo composto por 14 procuradores da República. A renovação significa manter toda a estrutura hoje disponível, não apenas de procuradores, mas também servidores de apoio, que atuam em áreas de assessoria jurídica, análise, pesquisa e informática. No Rio, o prazo é 8 de dezembro.
Já a força-tarefa em São Paulo não tem designações em bloco, ou seja, possui prazos distintos para cada um dos seus membros. O grupo observou que o número de integrantes que atuam com dedicação exclusiva à Lava Jato pode cair pela metade a partir de setembro. “A correção de rumos não significa redução do empenho no combate à corrupção”, disse Aras, em uma live com um grupo de advogados na terça-feira. “O lavajatismo há de passar.”
A 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF já pediu a prorrogação das forças-tarefa por ao menos seis meses. Aras ainda não decidiu sobre o caso, mas na semana retrasada lançou um teste de novo modelo de força-tarefa, abrindo uma consulta para que todos os membros do MPF possam colaborar com as investigações. Para ele, o formato atual está esgotado e custa muito.
Se o edital vingar, o modelo de dedicação exclusiva está ameaçado. “A vida exige coragem e coragem não me falta. Não tenho receio de desagradar”, disse Aras na sexta-feira durante uma tensa reunião do Conselho Superior do MPF (CSMPF), marcada pela leitura de uma carta com críticas de quatro conselheiros à atuação do procurador-geral.
“Um Ministério Público desacreditado, instável e enfraquecido somente atende aos interesses daqueles que se posicionam à margem da lei”, escreveram os subprocuradores Nicolao Dino, Luiza Frischeinsen, José Adonis e Nívio de Freitas.
‘Segredos’
Outro ponto levantado pela cúpula da PGR contra a “República de Curitiba” são os “segredos”, informações disponíveis nas mãos dos procuradores, que poderiam estar avançando sobre autoridades com prerrogativa de foro. A pedido de Aras, o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou em julho que as forças-tarefa da Lava Jato do Paraná, Rio e de São Paulo compartilhassem com a PGR “todas as bases de dados” que subsidiam investigações em curso.
Após receber os dados, Aras disse que, se todo o MP tem 40 terabytes, só Curitiba possui 350 terabytes e 38 mil pessoas com dados depositados. “Ninguém sabe como foram escolhidos, quais os critérios, e não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos”, disse.
Segundo interlocutores de Aras, os dados não estavam armazenados em canais oficiais do MPF.
Em outra frente que ameaça a Lava Jato, o Conselho Nacional do MP – presidido por Aras – deve discutir no dia 18 o pedido da senadora Kátia Abreu (PP-TO) para afastar Deltan da coordenação da Lava Jato. Integrantes do conselho ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo avaliam reservadamente que há maioria para punir o procurador da República.
Para o cientista político Renato Perissinotto, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o problema da ofensiva de Aras reside no timing. “Com a saída de Moro, transformado em potencial rival de Bolsonaro na eleição de 2022, a investigação da PGR tem o evidente objetivo de minar a popularidade do juiz revelando abusos que a operação cometeu, além de impor limites às investigações que possam prejudicar o presidente e seus amigos do Centrão”, afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Rafael Moraes Moura
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