Por trás da parceria que trouxe ao Brasil os testes da vacina de Oxford contra o coronavírus, algumas brasileiras se destacam na viabilização do acordo e na coordenação dos estudos. No campo da ciência, onde as mulheres, apesar de numerosas, ainda ocupam menos cargos de liderança do que os homens, foi uma mulher que intermediou a parceria entre o Brasil e o Reino Unido para trazer os estudos clínicos do imunizante ao País.
Os três centros de estudo da vacina no Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, têm à frente dos trabalhos cientistas mulheres, assim como o braço brasileiro do laboratório farmacêutico AstraZeneca, que fez parceria com a Fiocruz para transferir a tecnologia do produto. A fundação centenária, aliás, também tem como presidente uma mulher – a primeira em 120 anos de história. E até a primeira voluntária a receber a vacina também é uma cirurgiã dentista que atua na linha de frente de atendimento aos pacientes com covid.
O Estadão entrevistou algumas das mulheres protagonistas da pesquisa da vacina no Brasil. Conheça abaixo as histórias dessas cientistas e como veem o papel das mulheres na ciência..
‘Lutei como uma leoa para trazer a pesquisa’
Era 6 de maio quando a infectologista carioca Sue Ann Costa Clemens recebeu uma ligação de Andrew Pollard, investigador chefe da Universidade de Oxford no estudo da vacina contra a covid-19. A brasileira, diretora do Instituto para a Saúde Global da Universidade de Siena (Itália), já era conhecida do britânico por sua larga experiência em estudos clínicos com um grande número de participantes. Em uma das pesquisas que coordenou, ela conseguiu recrutar 60 mil voluntários em apenas seis meses.
Era dessa rapidez no recrutamento que os britânicos precisavam para não perder a janela de oportunidade para os testes da vacina. Para que um imunizante tenha sua eficácia medida adequadamente, ele precisa ser testado em uma população com alta exposição ao vírus. Era fundamental, portanto, que os testes começassem quando a curva de casos ainda estivesse em ascensão.
Pollard consultou Sue sobre a possibilidade de ela encontrar centros de estudo capacitados e coordenar a pesquisa por aqui. A brasileira aceitou na hora. Sabia que trazer o estudo para o Brasil facilitaria nosso acesso ao imunizante. “Dois dias depois da ligação do professor Andrew eu já estava com todo o estudo desenhado na cabeça. Entre o primeiro contato dele e eu abrir o primeiro centro, foram 44 dias. Lutei como uma leoa para trazer esse estudo para o Brasil. Sabia que se tivéssemos a pesquisa aqui, nossa população seria beneficiada”.
Até a pesquisa começar, Sue atuou em várias frentes para viabilizar a parceria, desde aluguel de móveis até pedidos de financiamento para o estudo. “A primeira coisa que fiz foi ligar para o (então) ministro (da Saúde, Nelson) Teich, que deu todo o suporte e pediu para eu apresentar a proposta. Não tínhamos ainda dinheiro, então fui bater na porta do Instituto DOr e da Fundação Lemann, que toparam apoiar o projeto”.
A médica também fez contato com pesquisadores da Unifesp, em São Paulo, que ela já conhecia da época de seu doutorado, para ali montar o principal centro de estudo. “Começamos a recrutar os voluntários muito rápido. Com um mês, já estamos com 1,7 mil vacinados e a expectativa é vacinar os 5 mil voluntários até o fim de agosto”, conta. O volume de trabalho “tem sido insano”, incluindo conversas diárias com o time de Oxford e de outros países que também estão testando a vacina.
‘Temos de valorizar a presença feminina’
Muito antes do início das tratativas para um acordo de produção da vacina de Oxford no Brasil, a socióloga Nísia Trindade Lima, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – a primeira mulher em 120 anos de história -, já estava mergulhada na resposta brasileira à covid-19. Quando o vírus castigava a China e fazia suas primeiras vítimas no Brasil, Nísia já coordenava ações que ficaram sob a responsabilidade da instituição, como a produção de milhões de testes diagnósticos, a capacitação de laboratórios públicos do País e de países vizinhos e a preparação do seu instituto de infectologia para atender a pacientes com a doença.
Entre final de abril e início de maio, Nísia e equipe entraram em nova frente de batalha – a análise das diferentes vacinas que estavam sendo testadas no mundo para pensar em formas de fazer parcerias e facilitar o acesso do País ao imunizante. “Intensificamos a prospecção de todas as vacinas existentes. Fizemos uma matriz de análise em conjunto com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde”, conta ela.
A partir dos resultados preliminares dessas vacinas e de conversas entre o Brasil e os responsáveis de Oxford, decidiu-se firmar um acordo com os parceiros britânicos. “Com base na nossa análise, o governo brasileiro firmou uma carta se comprometendo a adquirir 30,4 milhões de doses da vacina, mas com o acordo de que haverá a transferência integral da tecnologia para que possamos produzir nacionalmente na Fiocruz, por meio de Biomanguinhos. Com isso, o Brasil poderá ser autossuficiente”, destaca ela.
Nísia está em seu quarto ano como presidente da Fiocruz, mas já acumula mais de três décadas na instituição. Mesmo assim, ainda sofre questionamentos sobre sua competência para estar no posto. “A Fiocruz tem 56% dos trabalhadores mulheres e, na área de pesquisa, 57%. Mas nos cargos de gestão essa progressão não é acompanhada.”
Diante das dificuldades e do lento avanço rumo à igualdade de gênero na ciência (e na sociedade como um todo), ela destaca: “São muitas mulheres na linha de frente dessa resposta (ao desafio da covid-19) na Fiocruz: desde o laboratório de referência para vírus respiratórios até a área de pesquisa clínica. Temos que valorizar essa presença em espaços tão importantes.”
‘Meus filhos pequenos já sabem o que é vacina’
Na casa de Maria Augusta Bernardini, seus filhos, de 3 e 7 anos, já sabem o que é vacina. A diretora médica da AstraZeneca no Brasil teve que conversar com as crianças para justificar por que tem trabalhado tanto desde maio, quando o laboratório, parceiro da Universidade de Oxford no desenvolvimento da vacina, iniciou o processo de parceria com o Brasil para futura produção do imunizante. A diretora coordena uma equipe de cerca de 25 pessoas que trabalham em diversas frentes. “Como temos expertise em pesquisa clínica, colaboramos com a documentação para aprovação da pesquisa. Depois veio a parceria com a Fiocruz para futura transferência de tecnologia”, diz.
O período que antecedeu a aprovação do estudo junto à Anvisa e à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) foi o de maior estresse, segundo ela. “Precisávamos correr para iniciar o estudo quando a pandemia ainda estivesse no pico aqui”, conta. Agora, com a pesquisa já aprovada e em andamento, Maria Augusta conta que o maior desafio é lidar com as expectativas externas sobre o resultado. “O mundo inteiro, até meus familiares e amigos, estão ansiosos por uma vacina. Alguns me pressionam, mas não temos respostas ainda”, diz.
A diretora, que lida quase diariamente com outras mulheres à frente do processo, defende que a liderança feminina seja mais valorizada. “Tenho orgulho de ver tantas mulheres nessas posições”, diz ela, que integra um grupo de empoderamento dentro da AstraZeneca.
Para a diretora, desigualdades históricas são combatidas não só com oportunidades, mas com exemplos. “É importante outras mulheres verem que estamos em posições de destaque para que não tenham um pensamento limitante”, adverte. “Quando fiz o processo seletivo para a AstraZeneca e fui chamada, havia decidido que não trocaria de emprego na ocasião porque estava tentando engravidar. Cheguei a falar isso para o RH da empresa e eles me disseram que isso de forma alguma seria um impeditivo. Me senti muito estimulada”.
Desde então, ela teve dois filhos e acumulou promoções. A lição que tirou: “Voltei de uma licença-maternidade e fui promovida. É importante que as empresas tenham políticas de inclusão para evitar que a própria mulher se sabote tendo que escolher entre uma área ou outra da vida.”
‘Não tinha como ficar indiferente ao que vi’
Nos últimos quatro meses, a cirurgiã dentista Denise Abranches não teve folga um dia sequer. Coordenadora da odontologia do Hospital São Paulo, da Unifesp, onde trabalha há 20 anos, ela passou até mesmo seu aniversário de 47 anos, no dia 14 de junho, cuidando de pacientes com covid-19 na UTI.
Ela trabalha de segunda a segunda, coordenando uma equipe de 25 dentistas e capacitando a área de enfermagem a lidar com esses doentes. É dela a missão de definir os protocolos para a higienização da boca dos pacientes – e isso não é mero detalhe. Quando eles são entubados, há maior risco de lesões bucais, porta de entrada para micro-organismos e de infecções secundárias perigosas.
Nessa jornada, o que mais a abalou não foi o risco de contaminação ao que está exposta nem as UTIs lotadas. Foi ver a morte solitária dos pacientes. O pesar pela situação foi o que a moveu a se voluntariar para participar da pesquisa de possível vacina pela Universidade de Oxford.
Denise tornou-se, no final de junho, a primeira brasileira a receber o imunizante em teste, que contará com 5 mil voluntários no País. Assim que soube que a Unifesp participaria da pesquisa britânica e que profissionais da saúde seriam voluntários, foi imediatamente se inscrever. “Eu saí da sala de reunião e, no mesmo minuto, atravessei a rua e fui ao Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) me voluntariar. Não pensei duas vezes. Pra mim não é um sacrifício, é uma forma de contribuir”, diz.
Denise tomou a dose do imunizante no dia 23 de junho, por via intramuscular e, desde então, vem preenchendo um diário eletrônico sobre seu estado de saúde. “Tenho que medir a temperatura todos os dias e relatar se tive algum sintoma ou evento adverso. Até agora está tudo normal”. A dentista, como os demais voluntários, não sabe se recebeu o imunizante em teste ou uma vacina contra meningite que está sendo dada aos voluntários do grupo de controle. Nem pesquisadores nem participantes são informados, para que não haja nenhuma influência nos resultados.
Denise encara a decisão como uma obrigação cidadã. “Essa pandemia ressignificou muita coisa para mim e para todos na linha de frente. Não tem como ficar indiferente vendo o que eu vi, por isso considerei como um dever participar da pesquisa”, conta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fabiana Cambricoli
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