O pedido de desculpas públicas do desembargador Eduardo Siqueira, que no último sábado, 18, humilhou e chamou de ‘analfabeto’ um guarda municipal em Santos não deve isentá-lo de investigação e eventual punição de ordem administrativa ou penal, avaliam advogados ouvidos pelo Estadão. Por outro lado, especialistas apontam que Siqueira pode ser beneficiado por eventual acordo de não persecução penal e se isentar de uma possível pena por difamação, caso os oficiais envolvidos apresentem queixa-crime contra o desembargador.
“É evidente que reconhecer o erro é importante e isso talvez seja considerado no julgamento dos processos instaurados. Mas esse pedido de desculpas não deve afastar a possibilidade de aplicação eventual de sanções. As investigações devem prosseguir, inclusive, para que sejam reafirmados os princípios que devem reger a atuação de todos os agentes públicos”, afirma o criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP.
O advogado defende que o pedido de desculpas do desembargador, não é suficiente para que, juridicamente, ele deixe de ser investigado e, eventualmente, sancionado. “Como bem disse o ministro Marco Aurélio, do STF, na rua, no contexto dos fatos, a autoridade era o guarda civil, não o desembargador. Por isso, o guarda deveria ter sido respeitado”, afirma.
O criminalista Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) explica que não só o desembargador, mas qualquer pessoa que cometa um ato como o de Siqueira, que em sua avaliação caracteriza desacato, pode ser investigada e processada.
“Mas, como o desembargador assumiu, o caso dele é típico para se enquadrar na nova vigência do artigo 28A do Código Penal – que dá a possibilidade de acordo de não persecução penal. Desta forma, ele poderá ser beneficiado pelo acordo a ser proposto pelo Ministério Público”.
André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico, sódio de Damiani Sociedade de Advogados, indica que ‘sob a ótica do Direito Penal, a retratação por ofensas proferidas tem o condão de isentar de pena o agente que comete crimes contra a honra, nesse caso específico, especialmente o eventual cometimento do crime de difamação’. “No entanto, esta é uma hipótese a ser avaliada em juízo somente se houver uma eventual queixa-crime movida pelo ofendido contra o desembargador por este crime específico”, ressalta.
Também com relação aos crimes contra a honra, Damiani aponta que o pedido de desculpas não tem nenhuma repercussão legal sobre eventual injúria, mas que também depende da iniciativa da vítima para dar início à correspondente ação penal.
“De outro lado, quanto ao delito de desacato potencialmente cometido pelo desembargador, cuja ação penal é de iniciativa do Ministério Público, a retratação não constitui qualquer impedimento legal à eventual instauração de processo penal”, indica.
Em contrapartida, advogado Daniel Gerber, criminalista com foco em compliance político e empresarial, opina que ‘o pedido de desculpas do magistrado revela que, ao fim, somos todos humanos e sujeitos a erros’.
“Sem dúvida alguma a incrível indefinição do que é certo ou errado no combate a pandemia da Covid-19, os abusos – ainda que excepcionais – que vemos em vídeos e relatos, por parte de autoridades municipais e estaduais contra cidadãos, e o próprio cansaço que o medo e a indefinição geram no espírito justificam um erro e servem como argumento para a aceitação de um pedido de desculpas. Sobre a eventual falta administrativa, há que se ponderar tais fatores, também, pois seria incoerente se ultrapassar, em eventual punição, a gravidade do ato em si”, afirma.
Pedido de providências
Ao instaurar o pedido de providências contra Eduardo Siqueira, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, apontou que os fastos envolvendo o desembargador podem caracterizar conduta que infringe os deveres dos magistrados estabelecidos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e no Código de Ética da Magistratura.
A Loman prevê, entre os deveres do magistrado, a ‘urbanidade’ e a manutenção de ‘conduta irrepreensível na vida pública e particular’, além de vedar ao magistrado ‘procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções’. As indicações também estão dispostas no Código de Ética da Magistratura.
O Tribunal de Justiça de São Paulo também havia determinado a abertura de apuração sobre o ocorrido, mas Humberto Martins determinou que o caso fosse retirado da presidência da corte paulista para que não houvesse duplicidade de procedimentos. Na decisão o ministro citou ‘enorme desgaste do judiciário’.
Após a investigação, caso a Corregedoria encontre indícios de infração de conduta, há dois tipos de punições possíveis para os desembargadores – disponibilidade e aposentadoria compulsória. A primeira seria algo que pode ser revertido, ficando o magistrado afastado da corte, recebendo salário. Já a segunda implica a saída do desembargador dos quadros do tribunal, mas também recebendo um valor de aposentadoria.
Caso encontre prática de crimes na conduta do desembargador, o CNJ pode ainda encaminhar o caso para o Ministério Público Federal. Isso não impede ainda a Procuradoria de instaurar uma investigação própria sobre o caso. A Procuradoria-Geral da República informou à reportagem que por hora não há nenhuma investigação criminal contra o magistrado no órgão.
Por Redação
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