Os Estados Unidos fecharam acordo com as farmacêuticas Pfizer e BioNTech para comprar, em 2020, 100 milhões de doses das vacinas contra a covid-19 que estão sendo desenvolvidas pelas empresas. O número equivale ao volume máximo de unidades que as companhias teriam condições de produzir neste ano, o que impediria, portanto, que os demais países tivessem acesso ao imunizante.
O acordo entre EUA e as farmacêuticas foi divulgado nesta quarta-feira. O governo americano vai desembolsar US$ 1,95 bilhão (quase R$ 10 bilhões) pelas 100 milhões de doses neste ano e mais 600 milhões de unidades ao longo do ano que vem. Segundo especialistas, a decisão da gestão de Donald Trump pode acirrar a corrida global por acesso à vacina e aumentar o temor de que países com menos recursos sejam os últimos a receber a proteção contra a doença. No Brasil, o governo aposta em parcerias com farmacêuticas internacionais para não ficar para trás na disputa pelo imunizante.
As vacinas que vêm sendo desenvolvidas pela Pfizer e BioNTech mostraram resultados promissores nas primeiras fases da pesquisa, mas ainda precisam passar pela etapa 3 do estudo para ter sua eficácia comprovada. “Pode ser que os estudos mostrem que ela não funciona. É uma aposta dos Estados Unidos. Mas se, por acaso, essa se mostrar a melhor vacina, não vai ter para ninguém fora dos EUA”, destaca o médico e advogado Daniel A. Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP.
O especialista explica que a corrida já era esperada e, por não haver nenhuma legislação internacional que impeça que vendas sejam feitas apenas para um país, os governos terão de buscar as próprias estratégias para conseguir acesso a vacinas, como parcerias com institutos de pesquisa para transferência de tecnologia ou quebra de patente. “A OMS (Organização Mundial da Saúde) nao tem poder de mexer no ordenamento dos países. Ela pode recomendar, mas, se o país não quiser acatar, nada acontece”, explica.
“A pandemia é um problema que não tem passaporte, então o ideal é que seja um assunto tratado sob o prisma da cooperação entre os Estados”, afirma o advogado Saulo Stefanone Alle, especialista em Direito Internacional. Na hipótese de a OMS ser ignorada e algum país acabar ficando sem vacina, não haveria uma instância específica a quem recorrer, diz o advogado Saulo Stefanone Alle, especialista em Direito Internacional. “No Direito Internacional, não existe uma autoridade superior aos Estados”, comenta.
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai destaca que há um fundo da OMS e um esforço de articulação por parte da entidade para que todos os países tenham acesso à vacina, mas que é improvável que, num primeiro momento, as indústrias tenham capacidade de produzir o imunizante para toda a população mundial. “Os países precisarão desenvolver estratégias que envolvem definir quais serão os grupos prioritários.”
Consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Leonardo Weissmann também defende que o País invista em meios próprios de produção da vacina, para não ser prejudicado pela corrida internacional.
Brasil
No País, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou pesquisas para o desenvolvimento de quatro vacinas diferentes. Concedidas nesta semana, no entanto, as permissões mais recentes são para testes das farmacêuticas Pfizer e BioNTech, cujos lotes previstos já foram comprados pelos Estados Unidos.
As outras duas vacinas em potencial são a CoronaVac, que é desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech, e a AZD1222, da Universidade de Oxford com a farmacêutica britânica-sueca AstraZeneca. Ambas estão em fase 3 de testes e figuram entre os projetos mais promissores do mundo. O desenvolvimento das duas vacinas acontece por meio de acordos de cooperação, pelos quais o Brasil se compromete a fazer investimentos na pesquisa e passa ter direito a acessar a tecnologia da vacina. Na prática, isso permite que o País produza o imunizante em laboratórios nacionais, garantindo assim a autonomia da vacinação.
No caso da primeira, a parceria é com a gestão João Doria (PSDB) e o Instituto Butantã, que ficará responsável por produzir pelo menos 120 milhões de doses, caso a eficácia fique comprovada. Já no segundo, é com o governo Jair Bolsonaro e a Fiocruz, que produziria 40 milhões de doses por mês.
A vacina chinesa é feita de forma mais tradicional, a partir do vírus atenuado. Já a candidata de Oxford traz uma tecnologia inédita: ela usa um adenovírus para levar para o organismo humano um fragmento do DNA do coronavírus. “Em termos de desenvolvimento de vacina brasileira, a gente não está no páreo”, explica Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e membro da Sociedade Brasileira de Imunologia. “A melhor aposta do Brasil é justamente usar essas parcerias com as pesquisas mais promissoras.”
Para Nakaya, o País também deve estruturar a estratégia para conseguir fazer a vacinação em massa. “Vamos ter desafios de infraestrutura, porque há poucos lugares capazes de produzir em larga escala: são poucas fábricas para o tamanho do País”, diz. No primeiro momento, o foco deve ser para grupo mais suscetíveis à covid-19, como idosos ou pessoas com comorbidades, segundo afirma.
O especialista, entretanto, alerta que ainda há fases de testes a ser cumpridas, além da regulação da vacina. “Do ponto de vista científico, estou otimista porque os primeiros resultados indicam que as vacinas funcionam para induzir uma resposta imunológica, mas todo o resto até chegar ao cidadão comum depende de outras coisas”, diz. “O meu medo também é que aconteça o que aconteceu hoje, com os Estados Unidos comprando a vacina dos outros.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Eduardo Gayer, Fabiana Cambricoli e Felipe Resk
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