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USP estuda resistência dos ‘superidosos’ à covid-19

Aos 98 anos, dona Carmen Ferri ainda faz um pouco de tricô na casa onde mora no Cambuci, na zona sul de São Paulo. Nas reuniões familiares, ela fica no seu canto e gosta de observar filhos e netos. Com o avanço do novo coronavírus, a família redobrou os cuidados para evitar que essa filha de espanhóis se contaminasse. A preocupação aumentou quando o filho de dona Carmen, Antonio Ferri, de 72 anos, teve covid-19 e passou 14 dias internado, no mês de março. Ele conviveu com a família toda sem saber que estava contaminado. Felizmente, a mãe e dona Luiza, mulher do seu Antonio, integrantes do grupo de risco da doença, ficaram ilesas.

Casos como esse estão sendo investigados pelo Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco da USP. Pesquisadores acreditam que a diferença na resposta à infecção está relacionada ao genoma, o conjunto de genes de um ser vivo. Na visão dos cientistas, a genética pode explicar por que algumas pessoas desenvolvem formas graves da covid-19 enquanto outras permanecem assintomáticas.

Na família Ferri, por exemplo, foram contaminados, além do seu Antônio, Talita, sua nora, que também precisou de internação, e o filho Antonio Junior, que testou positivo, mas permaneceu sem sintomas. Dona Carmen, dona Luiza e a filha Adriana não tiveram a doença.

Para compreender melhor situações assim, os especialistas da USP decidiram investigar casos extremos. De um lado estão os pacientes gravíssimos que morreram, o que ocorre com frequência maior em idosos com comorbidades (problemas cardíacos e respiratórios, hipertensão, obesidade e diabete). São pacientes que devem ter os genes de risco da doença. O foco da pesquisa são jovens sem comorbidades. Para obter as amostras de autópsia, a pesquisa conta com o apoio do grupo do médico e professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP.

Na outra ponta da pesquisa estão as pessoas resistentes – aquelas que tiveram contato próximo com doentes, mas que não foram infectadas – e, principalmente, os nonagenários e centenários que tiveram formas muito leves ou ficaram assintomáticos, os chamados superidosos. Esse grupo deve ter os genes protetores para a doença.

Genes protetores

A estratégia da pesquisa é comparar os genomas dos pacientes dos dois grupos por meio de amostras de sangue. “Queremos identificar as variantes genéticas de risco e aquelas protetoras. Como temos grande interesse em descobrir os genes protetores, vamos focar nos superidosos”, explica a geneticista Mayana Zatz, do Centro de Pesquisas do Genoma Humano, da Universidade de São Paulo.

O estudo dos genes, com foco na longevidade, tem sido objeto de pesquisas no Centro de Genoma há muito tempo. O grupo realizou, por exemplo, o sequenciamento do genoma de 1.200 idosos saudáveis. É o maior banco de dados da América Latina. Diante da pandemia, o estudo foi ampliado. O grupo aguarda aprovação para uma parceria com a rede Prevent Senior, operadora de saúde especializada em idosos, para estudar mais casos de covid-19 entre pacientes com mais de 95 anos.

“As pessoas me perguntam como um centenário conseguiu sobreviver ao coronavírus. E eu respondo que é exatamente por ser um centenário. Em algumas famílias temos casos de pessoas que suportam inúmeras situações adversas do ambiente”, explica Mayana Zatz.

Conhecer as variantes genéticas envolvidas no combate à covid-19 vai permitir, por exemplo, identificar os indivíduos com genes de risco que, portanto, devem ser priorizados nas campanhas de vacinação, quando disponíveis, e em outras medidas de proteção. Por outro lado, as pessoas com genes de proteção podem retomar as atividades sem grande risco neste momento de flexibilização da economia. Agora, os pesquisadores buscam novos voluntários com perfil resistente e também apoiadores e parceiros para o projeto, pioneiro no País.

A família Ferri passou a ser analisada por curiosidade científica dos próprios familiares. Adriana Ferri, neta de dona Carmen, foi aluna do curso de Mestrado da professora Mayana Zatz. Intrigada com a experiência de sua família, ela decidiu procurar o centro em busca de explicações. “Vamos torcer para que possa surgir algo positivo e que isso possa ajudar outras pessoas”, diz Adriana.

Por Gonçalo Junior

Estadão Conteúdo

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