“Corre, Joaquim, corre pra casa”, gritou o pai, enquanto o menino de quase cinco anos via a esquadrilha mergulhando do céu em um rasante assustador. “Antes de ouvir o ronco, pensei que eram urubus. Os aviões eram tantos que chegavam a cobrir o sol”, recorda-se Joaquim Vintino Alves, hoje com 92 anos, puxando pela memória aquele longínquo inverno de 1932. Ele estava com o pai e os irmãos José, João e Pedro na lavoura de café quando as “máquinas voadoras” surgiram.
“Eram 10 ou 10 e meia da manhã e, apesar do sol, fazia frio. Meu pai e meus irmãos capinavam o café. Quando viu aquele colosso de aviões, meu pai mandou que eles jogassem as enxadas embaixo do cafezal e corressem para casa. Eu também corri, mas era criança e não tinha medo. Eles entraram em casa e eu fiquei ali fora, olhando aquele monte de avião. Eram dez ou quinze, quase batiam um no outro.” A esquadrilha desapareceu no horizonte.
Só muito depois Joaquim entendeu por que o pai mandou os filhos jogarem as ferramentas. “Os pilotos conseguiam ver a gente e poderiam confundir as enxadas com fuzil e atirar em nós”, explicou. O sítio da família ficava na Vila Albertina, no lado mineiro da divisa com São Paulo. Joaquim soube depois que um dos aviões soltou uma bomba em uma área de mata onde haveria uma trincheira. “Onde caiu, abriu um limpo de 10 metros de largura. Roçou tudo.” O aposentado nunca soube se os aviões eram federais ou paulistas. “Por causa do sol, não dava para enxergar a cor deles, só o vulto.”
Alguns dias depois, dois soldados chegaram ao sítio dos Alves pedindo comida. “Eles estavam à paisana, com a mala e o fuzil nas costas. Não tinha comida pronta e meu pai deu mantimentos para eles. Pediram arroz, feijão, carne de porco, o que tivesse, e meu pai deu. Minha mãe ficou assustada, pediu que eu não abrisse a boca. Eles ficaram um pouco por ali e depois foram embora. Não sei se estavam indo para a guerra ou estavam fugindo dela.”
Aos 18 anos, Joaquim se mudou para Mogi Mirim, mas nunca se esqueceu daqueles episódios. “Lembro de tudo muito bem, até que, no dia em que vimos os aviões, era a segunda roçada do cafezal.” Sua família, porém, não se envolveu na guerra. “Não tinha por quê. Aquele tempo era bom, não tinha ladrão como hoje. Paulista e mineiro era tudo gente boa, não dá para entender porque eles brigaram.”
De tanto ouvir as histórias do avô, o neto Ed Alípio se interessou pela revolução e passou a pesquisar o papel de Mogi Mirim durante o conflito. Há sete anos ele vai às escolas e conta aos alunos as histórias da guerra paulista, mostrando artefatos e documentos. Na segunda-feira (6), quando acompanhava a reportagem na antiga estação da Mogiana, mesmo de máscara, Alípio foi reconhecido pelos estudantes Samuel Souza Tobias, de 18 anos, e Gustavo Carvalho dos Santos, de 19.
Os dois contaram que, depois da aula dada pelo pesquisador, passaram a se interessar pela história de 1932. Ambos se lembraram de uma passagem em que um grande grupo de voluntários foi convidado e embarcar em um trem de onde iriam para um treinamento. “Quando se deram conta, estavam na frente de batalha, debaixo de fogo de verdade”, lembrou Samuel, que pretende seguir carreira militar. Gustavo, que estuda para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), disse que a revolução foi importante para “São Paulo ser o que é hoje”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por José Maria Tomazela, enviado especial
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