Pesquisador e especialista em financiamento de campanha, o cientista político Bruno Pinheiro Wanderley Reis, diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma, em entrevista ao Estadão, que a ausência de uma reforma política no País reproduz malefícios. Para ele, a “regulação do financiamento de campanha é ainda problemática no Brasil e isso produz efeitos no sistema político, que é muito capturável por interesses específicos”. Reis também defende a manutenção do calendário eleitoral – se manifestando contra eventual prorrogação de mandatos – e disse que o sistema político está desmanchando de 2013 para cá. Leia os principais trechos da entrevista:
Esse momento de crise entre as instituições no Brasil resulta de reformas políticas malfeitas no passado?
Penso que resulta principalmente de uma reforma que a gente não soube fazer. O Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados, pautou insistentemente, mas nem a sociedade civil nem a mídia ou a ciência política acadêmica não acharam que era o caso. Os malefícios foram se reproduzindo. A regulação do financiamento de campanha é ainda problemática no Brasil e isso produz efeitos no sistema político, que é muito capturável por interesses específicos. Tudo que a Lava Jato expôs são consequências dedutíveis do marco regulatório existente. Empregou-se um remédio judicial para um problema regulatório.
Qual problema?
A peculiaridade do Brasil é ter um teto que incide sobre o doador que é um porcentual de sua renda. No Brasil as pessoas podem doar proporcionalmente ao dinheiro que já tem. Quem é mais rico pode doar mais e quem é menos rico pode doar menos. Isso valia para pessoa jurídica até 2014. Em 2015 parou de valer, mas continuou para pessoa física. É 10% da renda bruta declarada na eleição anterior. Se cada um de nós pode doar até 10% do que ganha, o candidato vai bater na porta de quem pode doar muito dinheiro. O sistema empurra ele a pedir muito dinheiro para pouca gente. Isso produziu uma enorme concentração inédita da oferta de dinheiro. Do outro lado, o sistema eleitoral com lista aberta, candidaturas individuais em distritos com dezenas de cadeiras produziu competição entre centenas candidatos. Do outro lado desse mercado, a demanda por dinheiro é muito fragmentada. Quem tem poder de mercado nesse jogo é doador. O candidato dança conforme a música ditada por quem vai doar.
Qual seria o melhor sistema de financiamento?
Isso é um problema no mundo todo. Longe de ser algo trivial, é o calcanhar de aquiles da democracia. Desigualdades econômicas são uma fonte de assimetria de poder. Campanhas custam dinheiro e precisam ser financiadas. A questão é ver qual o modelo em que o poder econômico não tem livre passe. Qualquer coisa que concentra a demanda e dispersa a fonte é bem-vinda. A lista pré-ordenada partidária teria melhorado muito o ambiente. Em vez de 1000 carinhas disputando financiamento individual para si e tendo que aceitar os termos de doadores poderosos, seriam meia dúzia de partidos importantes pensando em que porta iriam bater. De outro lado, colocar teto nominais.
Qual a sua posição sobre o financiamento público de campanha, o fundo eleitoral?
Não há casos de financiamento público exclusivo. É sempre um mix. A função do financiamento público é prover um colchão básico em que todo a princípio tem acesso. Se um país resolve ser democrático, ele gasta parte de seu orçamento para promover eleições e criar condições mínimas para quem quer tentar entrar no jogo. Mas é saudável que haja um mercado privado de financiamento. O que aconteceu no Brasil recente quando criou-se o Fundo Partidário, que foi multiplicado várias vezes para bilhões de reais, foi o sistema político criando um seguro contra o virtual estrangulamento do fluxo de doações a partir da Lava Jato e das decisões regulatórias do Supremo. Primeiro baniu-se a doação por pessoa física, e depois o Supremo aceitou como prova uma doação legal feita para o senador Valdir Raupp (MDB-RO). Assim você inviabiliza o mercado legal idôneo de financiamento de campanha.
Como o fim das coligações proporcionais muda o financiamento?
Muda pouco no financiamento, mas é um passo na direção certa. Ele aponta para uma redução gradativa do número de partidos. A possibilidade de coligação é um fator a mais que aumentava o número de partidos.
O senhor defende que o calendário eleitoral das eleições municipais deste ano seja alterado ou mantido?
A manutenção na medida do possível. Estamos submetidos a uma emergência sanitária. É muito grave mexer o calendário eleitoral. O Brasil está em uma situação horrível. O sistema político está em decomposição de 2013 para cá. Está desmanchando a olhos vistos. Basta ver a história patética do combate à pandemia e a catástrofe humanitária que estamos produzindo. Tem uma coisa que não foi suspensa de 2014 para cá, que foi o calendário eleitoral. Se a gente começa a barganhar ou discutir politicamente o calendário eleitoral em função de conveniências, melou. O último prego da parede seria arrancado e ficaríamos inteiramente à deriva. Isso tem que ser considerado sagrado e intocável.
Como o que no sistema político está desmanchando?
O sistema partidário e de controle político. O que aconteceu de 2014 para cá é que, ao expor os bastidores viciados do financiamento de campanha, mais que induzir correção institucional, o que a Lava Jato produziu foi a desorganização completa do sistema e o salve-se quem puder. O sistema eleitoral flutuou na direção do predador, para o últimos dos políticos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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