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Políticos e acadêmicos apostam que economia fraca colocará povo na rua

Especialistas e lideranças políticas avaliam se as mobilizações contra o governo vão ganhar força e migrar das redes sociais para as ruas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) é parcimonioso quanto a eventuais desdobramentos no Brasil do caso George Floyd, segurança negro desempregado morto por um policial em Minneapolis. A economia pode explodir, na sua avaliação, essa panela de pressão. “Creio que as chances maiores de alguma explosão ocorrer será se e quando o fim da epidemia encontrar a economia semi paralisada”, disse, ao Estadão.

O professor de Teoria Política da Unesp Marco Aurélio Nogueira concorda. “Nos EUA, bastou uma faísca para levar a uma rebeldia que estava entranhada. O presidente (Bolsonaro) é um provocador permanente, causa polêmica, briga, e há uma recessão prevista para este ano e para o próximo que vai produzir descontentamento social muito grande. Isso é combustível”, frisou. “É como se estivéssemos sentados em um tanque gigantesco de gasolina.”

Para Matheus Gato, professor do departamento de sociologia da Unicamp e membro do núcleo Afro Cebrap, a onda de protestos pela morte de George Floyd pode servir como incentivo. “Nesse momento que temos esse rosto fascista de algumas direitas que assumiram governos com discursos violentos, é interessante pensar que temos populações negras na rua em diversas partes do mundo”, observou. “Embora o ponto não seja o ataque a um governo específico, porque estamos falando de situação estrutural, no caso brasileiro, esse governo já demonstrou qual é sua linguagem da questão racial”, disse.

Estamos juntos

No último dia 30, foi lançado o movimento Estamos Juntos. Entre os milhares de apoiadores, nomes como o do apresentador Luciano Huck e do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), pedem para que “partidos, seus líderes e candidatos agora deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de País”. “A coesão aumenta à medida que se define corretamente qual o objetivo. Se pensam nas frentes como articulações pré-eleitorais, elas explodem em 24 horas. Eu as imagino como limitadas à defesa da democracia”, afirmou Dino. “Às vezes, temos divergências. Eu, por exemplo, acho que essas frentes democráticas são valiosíssimas.”

Para Huck, um dos nomes cotados para a disputa da Presidência em 2022, a preocupação deveria ser o enfrentamento à pandemia, mas, diante de uma ameaça autoritária, ele estimula que a defesa da democracia seja feita por todos. “Neste momento deveríamos todos estar concentrados em desenhar e implantar estratégias para enfrentar e mitigar os efeitos sociais, econômicos e sanitários desta crise. Mas, com o fantasma do autoritarismo nos assombrando, temos que nos movimentar em defesa da democracia”, disse. “Todos que queiram defendê-la devem ser bem-vindos, sem exceções.”

Favorável a um processo de impeachment, o fundador do partido Novo, João Amoêdo, defende uma coalizão democrata “produtiva” para fazer frente ao presidente. “Houve protestos que considero ruins, como a favor de intervenção militar, do AI -5 e contra STF e Congresso. É natural, agora, até pela perda de popularidade do presidente, que ocorram protestos contra o governo. Tenho sido um crítico do governo Bolsonaro, principalmente pela postura do presidente de minimizar o impacto da pandemia, de descumprir recomendações da OMS. Acho positivo haver essa mobilização”, disse.

Dilema

A queda na popularidade de Bolsonaro chega em um momento de hesitação de opositores em aproveitar a onda contra o governo diante de uma crise sanitária ainda na fase de recrudescimento. Líder do PCdoB na Câmara, a deputada Perpétua Almeida (AC) diz haver pressão de alas para a realização de protestos de rua como reação às carreatas pró-Bolsonaro e contra Congresso e STF, em Brasília. “As militâncias querem ir para a rua. Isso no PSOL, no PCdoB, no PT e até no PSDB. É hora de fazer isso? Eu acho arriscado”, disse. “Há um movimento muito positivo na sociedade para dizer que as pessoas não aceitam o comportamento autoritário do presidente.

Perpétua Almeida admite que é difícil reunir o campo e prevê fim melancólico para os que não aderirem. “Tem que ter uma única bandeira, que é a manutenção dos pilares que seguram a democracia. A maioria das pessoas está com esse sentimento, e penso que isso vai ser uma avalanche em cima daqueles que estão olhando para o próprio umbigo”, sublinhou.

O senador Humberto Costa (PT-PE) também é contra manifestações neste momento, mas diz que partidos e centrais sindicais estarão mobilizados. “Constrói-se na sociedade um sentimento de insatisfação com o governo, por conta de ameaças que ele faz às liberdades e à democracia e da forma debochada e sarcástica com que lida com a covid-19”, disse. Dono da palavra final em um PT desgastado, Lula criticou frentes suprapartidárias. “Eu não tenho mais idade para ser Maria vai com as outras. O PT já tem história neste País, já tem administração exemplar neste País. Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas”, afirmou, em reunião partidária.

Outra figura proeminente da centro-esquerda com dificuldades para aderir aos grupos é o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), que tem feito críticas a Lula. Para Ciro, é preciso ter “lucidez” para enfrentar a “insanidade” de Bolsonaro “e seus asseclas”.

Ex-aliado de Bolsonaro, o senador Major Olímpio (PSL-SP) diz que não há ambiente para uma ruptura institucional com apoio das Forças Armadas ou Polícias Militares. Segundo ele, a ameaça do golpe é usada pelos dois lados para o recrudescimento do ódio. “Seja o presidente ou quem quer que for, vai ficar falando sozinho. Não conseguirá um jipe e dois soldados para dar uma carona até o aeroporto. Vai ter que ir de táxi ou Uber porque não vai conseguir”, disse o parlamentar, fazendo uma referência à fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em 2018, segundo a qual bastavam “um soldado e um cabo” para fechar o STF.

Por Vinícius Valfré e Jussara Soares

Estadão Conteúdo

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