Na portaria do Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro prometeu, na última segunda-feira, espaço na agenda do Ministério da Saúde a uma mulher que anunciava a cura da covid-19 à base de alho cru. O número de mortos pela pandemia se aproximava dos 40 mil. Das diretrizes do governo na área às audiências do dia a dia da pasta, entre piadas e canetadas, Bolsonaro passou a acumular, na prática, a função de ministro.
Desde o início do avanço da doença, dois titulares deixaram o cargo por não cumprirem suas ordens contra o isolamento social e a defesa do uso da cloroquina no tratamento dos pacientes, substância sem comprovação científica, e um terceiro virou pária na comunidade científica ao tirar do site oficial planilhas de vítimas.
O ortopedista Luiz Henrique Mandetta foi afastado do comando do ministério por defender o isolamento social e rejeitar o uso da substância proposta por Bolsonaro. O substituto, o oncologista Nelson Teich, ficou apenas um mês na cadeira por manter o discurso de Mandetta.
Já o atual ministro interino, general Eduardo Pazuello, não tem experiência no setor. Mas justamente ele era do “banco de talentos” do Exército, área em que Bolsonaro sempre recorre quando precisa de um “solucionador de problemas” e “gestor”, que na linguagem da caserna também podem significar “cumpridor de ordens”.
Ao executar tarefas determinadas pelo Planalto, que seus antecessores se recusaram, Pazuello bateu de frente com segmentos da saúde e enfrenta críticas por atrasar e impedir a divulgação dos dados da covid-19 e mudar a forma de contabilizar as vítimas da pandemia, como queria Bolsonaro.
A medida antidemocrática, considerada um crime de responsabilidade por juristas, levou empresas jornalísticas, incluindo o jornal O Estado de S. Paulo, a se unirem para dar transparência às informações de contaminados e mortos.
A “missão” de Pazuello de acatar determinações que vão contra autoridades internacionais da saúde é uma contradição com base num episódio recente. No mês passado, quando o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, encaminhou à Procuradoria-Geral da República pedido de partidos para recolher o celular de Bolsonaro, no âmbito das investigações de possível intervenção do presidente na Polícia Federal, militares do governo propagaram uma máxima dos quartéis: “ordem absurda não se cumpre”. No caso da pandemia, as ordens de Bolsonaro não são consideradas diferentes disso.
“Mudar metodologia? Para que isso, se as secretarias estaduais não mudaram e continuarão a usar a metodologia anterior?”, questionou o ex-ministro da Saúde do governo Dilma Rousseff, senador Marcelo Castro (MDB-PI). “Isso cria instabilidade, insegurança na população que não acredita mais nos números do Ministério da Saúde e só aumenta a desconfiança com a falta de transparência.”
Apesar de o ministro interino, que é tratado pelo presidente como efetivo, ter passado sem traumas por uma sabatina de quatro horas no Congresso, na semana passada – para explicar a nova metodologia -, a conta de sua atuação na Saúde já chegou às Forças Armadas. Desde o fim da ditadura, os militares construíram uma imagem de técnicos que atuam com números. Ele acabou com a transparência da divulgação do número diário de mortos na pandemia.
O ex-ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, afirmou que o governo mudou a metodologia sem fazer consultas prévias à comunidade científica e explicar a todos o motivo.
“Se quer mudar por questões técnicas, sem problemas. Mas tem de avisar antes. Isso é regra básica. Pode ser que o novo método seja bom. Mas, o fato é que primeiro tem de informar e explicar a metodologia para a comunidade médica e científica e só depois mudar”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo. “Não é problema se a metodologia está certa ou errada. É que, se inverte a ordem, você gera confusão e uma confusão dessa não é boa para o governo, nem para o Ministério, nem para as Forças Armadas, e muito menos para a população, que precisa ter confiança na informação”, ressaltou.
Santos Cruz avalia que a “confusão” e as “desconfianças” ficam ainda maior quando toda a questão está politizada e autoridades vinculam uma decisão de governo de divulgação dos dados ao horário de exibição de um jornal televisivo. “Isso não tem sentido, não tem cabimento. A maneira como foi feita gera desconfiança e descrédito”, criticou. “O assunto já está extremamente politizado. O medicamento foi politizado, o vírus foi politizado. Quando se tem excesso de politização e se faz uma alteração dessas, você dá margem a tudo que é especulação.”
A confusão a que Santos Cruz se refere é sobre a presença de militares da ativa no governo porque, naturalmente, acaba-se “confundindo o posto do ministro (que é general da ativa) com assuntos de governo”. Um general da ativa ouvido pela reportagem, na condição de anonimato, lembrou que o general Pazuello não foi para o Ministério da Saúde indicado pelo Exército ou para cumprir missão militar. Foi para lá, escolhido pelo presidente da República, pelo seu perfil de “gestor eficiente”, para tentar destravar a logística da pasta.
Militarização
Oficial da ativa, Pazuello também levou para o setor a conta de ter militarizado a Saúde. São 20 oficiais que atuam em sua assessoria, a maior parte também da ativa. Carimbou, assim, a acusação da oposição de que ele é o general que transformou o Ministério da Saúde num quartel.
Quando tentou emplacar um civil, o amigo Carlos Wizard, viu Bolsonaro mandar seu sistema de informações paralelo investigar as relações do empresário com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), seu inimigo. Depois disso, Wizard desistiu do convite.
Antes de chegar à pasta da Saúde, Pazuello comandava a 12ª Região Militar, em Manaus. Da turma de 1984 da Academia Militar das Agulhas Negras, foi diplomado oficial das Forças Especiais, uma elite na Força. Em 2016, nos jogos Olímpicos, ele comandou a Base de Apoio Logístico do Exército e a coordenação logística das Tropas no evento, onde manteve contato mais próximo com o então comandante Militar do Leste, atual ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva.
Também teve ligação com o general Augusto Heleno Ribeiro, hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Em 2018, o então presidente Michel Temer o nomeou comandante da Operação Acolhida, em Roraima, ação humanitária para atender venezuelanos que migravam para o Brasil. Depois, assumiu a Secretaria de Fazenda na intervenção federal no Estado, entre dezembro daquele ano e fevereiro de 2019.
Diante da crítica generalizada, governadores se esforçam para manter o diálogo. Nesse contexto, Pazuello foi elogiado pelos representantes dos secretários estaduais e municipais de saúde, com quem tem se reunido virtualmente.
A avaliação é que ele executa a liberação de equipamentos e recursos. A sua atuação foi reconhecida pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), forte opositor de Bolsonaro. No Twitter, Dino escreveu na terça-feira passada: “Registro e agradeço o envio, pelo Ministério da Saúde, de mais de 30 respiradores ao @GovernoMA, nos termos de diálogo que mantive, na semana passada, com o ministro Eduardo Pazuello”.
A atuação do general não é marcada apenas por críticas. Há espaço também para o bom humor. No mesmo dia 9, Pazuello explicou que as regiões Norte e Nordeste tendem a sofrer mais com a pandemia por influência do Hemisfério Norte. Memes de cidades nordestinas com “neve” inundaram as redes sociais. Internautas do Rio Grande do Norte propuseram a candidatura de Mossoró para sede dos Jogos Olímpicos de Inverno.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Tânia Monteiro
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