Na representação enviada ao Superior Tribunal de Justiça para deflagração da Operação Para Bellum na manhã desta quarta, 10, a subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo, escreveu que é ‘induvidoso que ocorreu uma franca negociata’ entre o governador do Pará Helder Barbalho e André Felipe de Oliveira da Silva, responsável pela empresa que firmou contrato de R$ 50,4 milhões para fornecimento dos respiradores ao Estado. Segundo Lindôra, ilegalidades e fraudes praticadas pelo chefe do Executivo paraense foram ‘ratificadas por meio de uma sequência de atos destinados à montagem fraudulenta de procedimento de dispensa de licitação’.
O documento da Procuradora-Geral da República levou o ministro Francisco Falcão a autorizar a realização de 23 buscas em sete Estados. Entre os alvos dos mandados de busca e apreensão estavam a casa de Helder Barbalho, a residência do secretário de Saúde e presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde Alberto Beltrame, o Palácio dos Despachos, sede do Executivo estadual, e as Secretarias de Estado de Saúde, Fazenda e Casa Civil. Falcão determinou ainda o bloqueio de R$ 25 milhões de Helder e outros sete investigados.
As apurações se debruçam sobre um contrato de R$ 50,4 milhões fechado com a empresa SKN do Brasil Importação e Exportação de Eletroeletrônicos LTDA para fornecimento de 400 respiradores para combate ao novo coronavírus. No entanto, os 152 equipamentos relativos ao primeiro lote da entrega apresentaram falhas técnicas durante o processo de instalação.
Segundo a PF, o contrato foi firmado com dispensa de licitação, sendo que metade do valor total da compra foi pago de forma antecipada, mas os respiradores foram entregues com grande atraso, eram diferentes do modelo comprado e ‘inservíveis’ no tratamento no coronavírus. Os equipamentos acabaram sendo devolvidos.
Na representação enviada ao STJ, Lindôra argumentou que as tratativas e o contrato sob investigação foram estabelecidos diretamente no Gabinete do Governador e apenas em um segundo momento ‘procurou-se atribuir uma pretensa conformidade legal para contexto absolutamente fraudulento que causou um grave dano material ao erário, moral e irreparável à sociedade paraense e o enriquecimento dos envolvidos no esquema’.
A subprocuradora aponta que documento do gabinete de Helder indicava que a contratação fosse realizada seja ‘apreciada’ de forma imediata, ‘com a adoção das providências necessárias à formalização do processo de aquisição’.
“Há, portanto, uma total e ilícita inversão procedimental. Independentemente de o Decreto nº 619/2020 prever ilegalmente o pagamento antecipado das compras que fossem realizadas, não havia autorização de dispensa de procedimento de dispensa de licitação ou que este acontecesse após a contratação e o pagamento dos produtos adquiridos”, registrou.
“Na Secretaria de Saúde, as ilegalidades e fraudes praticadas pelo Governador Helder Barbalho foram “ratificadas”, por meio de uma sequência de atos destinados à montagem fraudulenta de procedimento de dispensa de licitação. Para justificar a realização do procedimento de dispensa de licitação após a contração e o pagamento, utilizou-se da previsão de pagamento antecipado previsto no questionado decreto”, completou a subprocuradora-geral.
A decisão de Francisco Falcão pontua ainda que a Procuradoria apontou erros crassos no texto do contrato firmado – ausência de data de celebração, a menção a nome de outros contratantes e previsão do foro de eleição para discussão do contrato na cidade do Rio de Janeiro.
“Apenas depois de contratado – com todos os vícios já apontados – é que houve a preocupação em documentar o que deveria ser o Início de todo esse processo de dispensa de licitação, que é a indicação da demanda, a sua especificação técnica, as justificativas da dispensa e pesquisa de preços”, argumentou Lindôra.
Segundo a subprocuradora, não foi exigido que a fornecedora dos respiradores comprovasse a capacidade de contratar com o serviço público, tendo sido identificado que a mesma não teria autorização da Anvisa para comercializar (distribuir ou importar) os equipamentos adquiridos nem estaria habilitada a contratar com a administração pública.
Lindôra também indicou que os equipamentos entregues ao governo do Pará – que não se mostraram eficazes para o tratamento de pacientes acometidos pela Covid-19 – destoavam totalmente do modelo descrito na nota fiscal emitida pela empresa SKN do Brasil. Diálogos entre o governador Helder Barbalho e o empresário André Felipe mostraram que o chefe do executivo paraense sabia da divergência dos produtos, registrou ainda a representação da PGR.
A representação e a decisão de Falcão apontam ainda suposto envolvimento de Alberto Beltrame nas fraudes. Segundo os documentos, o Secretario teria tentado ‘sanear’ o processo licitatório, inserindo e datando documentos de forma retroativa.
“O Secretário de Estado de Saúde, Alberto Beltrame, que já havia ratificado o procedimento de dispensa nº 016/SESPA/2020, por meio da manifestação de fl. 96/97, de ofício, resolveu “sanear” vários atos da contratação, assinando documento nesse sentido, datados de 30.04.2020, ou seja, supostamente antes da chegada dos ventiladores pulmonares inservíveis, antes que o escândalo das compras fraudulentas começasse a ser investigado pela Polícia Federal”, afirmou Lindôra na representação.
COM A PALAVRA, O GOVERNO DO ESTADO
“Em nome do respeito ao princípio federativo e do zelo pelo erário público, o Governo do Estado reafirma seu compromisso de sempre apoiar a Polícia Federal no cumprimento de seu papel em sua esfera de ação. Informa ainda que o recurso pago na entrada da compra dos respiradores foi ressarcido aos cofres públicos por ação do Governo do Estado. Além disso, o Governo entrou na justiça com pedido de indenização por danos morais coletivos contra os vendedores dos equipamentos. O Governador Helder Barbalho não é amigo do empresário e, obviamente, não sabia que os respiradores não funcionariam.”
COM A PALAVRA, SKN
“A respeito da operação de hoje, a SKN esclarece que é uma empresa de comércio exterior, com décadas de atuação na importação e exportação de produtos.
A pedido do Estado do Pará prestou o serviço de importação de respiradores comprados de empresa chinesa. Desde que foi notificada pelo governo do Pará sobre problemas na utilização dos respiradores, adotou todas as medidas para evitar danos às contas públicas e, por consequência, à população do Pará.
O fato objetivo é que o governo do Pará afirma que os equipamentos são inadequados, mas ainda não fez a devolução, o que impede a SKN de desfazer o negócio com o fornecedor chinês.
Mesmo sem a devolução dos equipamentos e os valores em posse da empresa chinesa, a SKN assumiu sozinha a responsabilidade e
já ressarciu 90% do valor ao governo do Pará, inclusive informando a Justiça em tempo real, o que demonstra a boa-fé e transparência da empresa.
A empresa aguarda a devolução da totalidade dos equipamentos para a dissolução do negócio com o fornecedor chinês e o acerto dos valores pendentes.
Portanto, a SKN é vítima nesse negócio frustrado entre os equipamentos do fornecedor chinês e o governo do Pará e já demonstrou em Juízo que deu início às medidas judiciais contra a empresa fabricante dos equipamentos na República Popular da China.
Outro sinal de boa-fé é que a SKN cumpriu, com plena regularidade, o contrato para fornecer 1.600 bombas de infusão peristálticas, outra ação importante no combate à covid-19. E, de novo, a SKN sai prejudicada porque não recebeu do Estado do Pará a fatura de R$ 4 milhões.
Por tudo isso, fica evidente que não há golpe, não há irregularidades e a empresa buscará na Justiça a devida reparação. Assim como irá fornecer todos os dados à investigação criminal para esclarecer a sua correta posição de prestadora de serviço de importação de produto nacionalizado com o aval dos órgãos federais.”
COM A PALAVRA, OS DEMAIS INVESTIGADOS
Até a publicação desta matéria, a reportagem busca contato com os demais investigados na Para Belum. O espaço permanece aberto a manifestações.
Por Pepita Ortega e Fausto Macedo
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