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Florianópolis, uma cidade que ficou 32 dias sem mortes

As ruas de Florianópolis já não estão mais desertas como há quase três meses, quando a cidade parou. Aos poucos, quem estava cumprindo a quarentena rigorosamente arrisca uma ida ao shopping, almoçar em restaurantes e até uma caminhada na praia – de máscara. Nas últimas semanas, mais gente tem saído de casa. Reflexo das estatísticas da covid-19 na capital catarinense. A velocidade do avanço da doença vem caindo, mesmo com a flexibilização do comércio há 47 dias. Anteontem, a prefeitura confirmou a 8ª morte causada pela covid-19 na cidade, uma mulher de 75 anos que tinha histórico de comorbidade e estava internada desde segunda. Ela quebra sequência de 32 dias sem óbito na capital.

Por trás dos números está uma série de medidas adotadas por prefeitura e governo estadual desde os primeiros casos na região. “A situação que temos hoje resulta de toda a condução que fizemos até aqui, com decisões baseadas em evidências científicas”, diz o secretário de saúde de Florianópolis, Carlos Alberto Justo da Silva, médico e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Como a doença chegou ao Brasil dois meses depois de outros lugares, não precisamos ficar errando por nossa conta: tivemos chance de aprender com os erros dos outros e adotar as melhores práticas.”

Silva se refere ao isolamento social precoce e à rápida identificação dos contaminados para evitar o contágio de outras pessoas. Os dois primeiros casos de covid-19 na capital catarinense foram confirmados no dia 12 de março, uma quinta-feira. Na semana seguinte, a prefeitura suspendeu as aulas presenciais nas escolas e universidades, fechou cinemas, teatros, museus, bibliotecas e serviços públicos.

Um decreto estadual determinou o fechamento do comércio não essencial, interrupção do transporte coletivo e proibição de eventos. As pessoas foram proibidas de permanecer em praias, parques e praças.

Assim que as restrições começaram, a prefeitura lançou um serviço gratuito de atendimento telefônico e via internet para tirar dúvidas da população e monitorar as pessoas com sintomas. Já foram feitos 60 mil atendimentos pelo “Alô Saúde”.

Os moradores passaram a receber mensagens de SMS quando um caso de covid-19 fosse registrado a menos de 200 metros de sua residência. “As pessoas começaram a perceber que o vírus estava próximo”, diz o prefeito Gean Loureiro. “Isso ajudou na conscientização da população, que vem tendo papel fundamental no enfrentamento da pandemia.”

Testes

A prefeitura também investiu na compra de testes. “Todo o recurso que recebemos do Ministério da Saúde foi usado para isso”, diz o secretário de Saúde. “Começamos a testar todos os casos suspeitos, mesmo com sintomas leves.”

A administração municipal investiu R$ 4,5 milhões na compra de 35 mil testes, além de 1,7 mil enviados pelo governo estadual. Desde março, foram realizados 10 mil testes nas redes pública e privada de Florianópolis. Todos os centros de saúde e UPAs da cidade fazem a testagem gratuita da população.

Quem desembarca no Aeroporto Internacional Hercílio Luz passa por uma barreira sanitária e, se estiver com sintomas, é submetido a testes. A equipe do Floripa Airport faz aferição da temperatura, coleta dados dos passageiros e eles assinam termo assumindo o compromisso de fazer isolamento de sete dias. Até agora, foram feitos cerca de 500 testes, que identificaram 17 infectados.

Quem é diagnosticado passa a ser monitorado pela vigilância sanitária e, se descumprir a quarentena, pode ser multado. Desde o início da pandemia, foram aplicadas 41 multas, dez por quebra de isolamento.

A família de Ivonete Helena da Rosa, de 57 anos, cumpriu à risca a quarentena. No fim de maio, enquanto ela estava na UTI, tratando uma lesão pulmonar decorrente da covid-19, a vigilância monitorou e testou pessoas próximas a ela – o marido e a madrinha, que moram na mesma casa, irmãos, sobrinhos, vizinhos e até a família de sua manicure. Todos testaram negativo, mas cumpriram o isolamento.

A empresa onde Ivonete trabalha como auxiliar de limpeza ficou fechada por 15 dias e todos os cerca de 30 funcionários passaram por testes. “Só descobri a doença após desmaiar no trabalho e fui levada para o hospital.” Na quinta, voltou a trabalhar.

Hoje, Florianópolis tem 12 pacientes internados com covid-19, cinco em UTI. São 918 casos. O fator de transmissão, próximo de 4 no início da quarentena, está em 0,89, mesmo após a abertura em 20 de abril.

Na capital, os estabelecimentos comerciais ficaram fechados por mais tempo do que no restante do Estado e voltaram com regras rigorosas. Os atendentes devem usar máscara, não é permitido provar roupas nas lojas e só é liberada a entrada de um cliente por vendedor.

“Estamos seguindo tudo à risca, álcool em gel, distanciamento, mas a clientela ainda não voltou”, conta Angelita Ramos, gerente de uma loja de roupas no centro da cidade. Duas funcionárias já foram demitidas e três estão com o contrato suspenso.

Uma pesquisa do Sebrae estima que quase 50 mil pessoas foram demitidas na capital durante a pandemia. “A prefeitura está sendo dura para quem empreende e tem negócio”, diz Rodrigo Rossoni, presidente da Associação Comercial e Industrial de Florianópolis (Acif), um crítico das medidas de isolamento adotadas. Gean Loureiro diz que as cidades que agiram com mais rigor estão se recuperando mais rapidamente. “Se não tivéssemos feito tudo isso lá atrás, estaríamos cogitando um lockdown agora.”

Para ajudar microempreendedores, foi criada linha especial de crédito, com juro zero, que faz empréstimos de R$ 3 mil a R$ 5 mil. Para a população de baixa renda, o auxílio chega por meio de cartão alimentação distribuído a autônomos e famílias de alunos da rede municipal.

As medidas

– Isolamento: O isolamento social começou logo depois que os dois primeiros casos de covid-19 foram confirmados na cidade.

– Rigor: Decreto com a suspensão de aulas presenciais e de eventos foi publicado 4 dias após a primeira confirmação. Transporte público está paralisado há três meses.

– Testagem: A prefeitura investiu R$ 4,5 milhões em testes rápidos. A testagem passou a ser feita mesmo com sintomas leves nas unidades de saúde e no drive-thru montado em um terminal de ônibus.

– Monitoramento: Monitoramento de pacientes que testaram positivo para covid-19, com isolamento e testagem de pessoas próximas. E moradores de rua que tiveram suspeita da doença passaram a ser isolados e testados também.

– Barreira: Barreira sanitária no aeroporto, com medição de temperatura dos passageiros, que têm de ficar isolados por 7 dias.

– Máscara: Uso de máscara passou a ser obrigatório em algumas regiões da cidade e dentro dos estabelecimentos comerciais.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Naiana Oscar, especial para o Estadão

Estadão Conteúdo

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