Em ano de eleições municipais, a Caixa Econômica Federal abriu a torneira e concedeu R$ 4,9 bilhões em novos empréstimos a Estados e municípios ao longo dos últimos três meses. Um terço desse valor (R$ 1,6 bilhão) foi contratado em um período de apenas dois dias, após o Conselho Monetário Nacional (CMN) atender a um pedido de governadores, prefeitos e parlamentares e ampliar o limite para novos endividamentos em R$ 4 bilhões.
Os maiores beneficiados dos créditos são as prefeituras, já que os governadores contrataram apenas três operações no valor total de R$ 278,5 milhões, segundo dados do Tesouro Nacional levantados pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
A pisada no acelerador pela Caixa tem sido vista na área econômica como sinal de uso político do banco, num momento em que o Palácio do Planalto se aproxima do bloco de partidos do Centrão para formar uma base aliada e tentar se blindar de um eventual pedido de impeachment.
Em ano eleitoral, a data limite para o primeiro desembolso é 3 de julho. Após essa data, ainda é possível fazer novas contratações até 2 de setembro, mas o repasse do dinheiro só cai no conta no início da gestão do sucessor.
A Caixa responde sozinha pela maior parte dos R$ 9,7 bilhões em novos financiamentos celebrados por governadores e prefeitos este ano. O BNDES tem R$ 311,9 milhões entre operações aprovadas e já contratadas em 2020. O Banco do Brasil não forneceu os dados alegando “sigilo comercial”, mas os dados do Tesouro Nacional apontam R$ 879 milhões em operações deferidas para Estados e municípios este ano.
Preocupações
Técnicos do governo manifestam preocupação com o maior risco das operações que estão sendo contratadas junto à Caixa, já que a maior parte não conta com garantia da União. Quando há aval do Tesouro, o governo federal garante o pagamento em caso de inadimplência. Nesses contratos, porém, o Estado ou município empenha receitas próprias, como os repasses recebidos por meio de fundos de participação ou o ICMS. Se houver atraso, é a própria instituição financeira que precisa fazer a cobrança.
Segundo dados da Caixa, dos R$ 5,4 bilhões em empréstimos concedidos ao setor público (que incluem as operações com Estados e municípios) em 2020, 76% não têm aval da União. Considerando apenas as operações do início de junho, R$ 1,35 bilhão (84% do total) foi contratado tendo apenas as receitas próprias de Estados e municípios como garantia.
A concessão de empréstimos tendo as receitas tributárias de Estados e municípios como garantia já foi alvo de controvérsia e levou o Conselho de Administração da Caixa a suspender essas operações no início de 2018, como revelaram à época o jornal O Estado de S, Paulo e o Broadcast.
Uma representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) questionou a legalidade dos financiamentos. O Banco Central foi obrigado a agir e passou a requerer maior capital dos bancos para fazer frente a esse tipo de empréstimo, de maior risco – na prática, ao direcionar recursos para um crédito sem aval da União, o banco passou a diminuir de forma mais drástica o seu poder de fogo para emprestar a outros tomadores.
Limite
O limite inicial concedido pelo CMN era de R$ 4,5 bilhões em operações de crédito para Estados e municípios com garantia da União e de R$ 3,5 bilhões em contratos sem o aval do Tesouro. Na última segunda-feira (1º), em reunião extraordinária, o conselho concedeu um espaço adicional de R$ 4 bilhões para que Estados e municípios contratem novos financiamentos sem precisar ter o governo federal como seu fiador.
O aumento vinha sendo solicitado desde meados de maio por governadores, prefeitos e parlamentares do Congresso Nacional. Ofícios obtidos pelo Estadão//Broadcast mostram que os senadores Wellington Fagundes (PL-MT) e Luiz Carlos Heinze (PP-RS) estão entre os que pediram limites adicionais para a contratação de empréstimos. Tanto o PL quanto o PP são partidos que integram o Centrão.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CMN), Glademir Aroldi, também endereçou pedido semelhante ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
A urgência defendida nos documentos foi justificada com o prazo de validade dos processos de contratação dos empréstimos. Mas o calendário eleitoral também impôs uma corrida nas operações.
Procurada, a Caixa afirmou que o processo de concessão de crédito aos entes públicos “obedece a critérios exclusivamente técnicos”.
Ainda segundo a instituição, o limite inicial fixado pelo CMN em março foi consumido no mesmo mês. “Em 02/06/2020, foi disponibilizado pelo CMN novo limite para contratação sem garantias da União, ocasião em que o estoque já analisado aguardava apenas a contratação”, afirmou o banco em nota. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Idiana Tomazelli
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