Distribuidoras de energia querem de uma sinalização mais firme e formal a respeito do direito ao reequilíbrio econômico-financeiro de suas concessões por causa dos impactos da pandemia de covid-19. A indicação precisa ser rápida, de maneira a garantir que possa ser colocada uma ponderação, nos demonstrativos financeiros do segundo trimestre, de que a forte redução da geração de caixa a ser observada não vai se perpetuar. Assim, as companhias poderiam dar um sinal positivo a credores e se proteger de uma potencial quebra cláusulas restritivas (covenants) de seus empréstimos, evitando eventual antecipação de vencimentos.
Além disso, a questão é considerada relevante para que as companhias efetivamente possam assinar os contratos do empréstimo emergencial que vem sendo estruturado para socorrer o setor. Por isso, a intenção das empresas é que uma menção sobre o assunto seja inserida na resolução normativa que está sendo preparada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para regulamentar o decreto 10.350/2020, sobre a ajuda financeira ao setor elétrico.
“Neste momento, é imprescindível que se reconheça a possibilidade de constituir ativo regulatório, em função do aumento das receitas irrecuperáveis e da elevação das perdas não-técnicas”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira. Segundo ele, este é um dos principais pontos da contribuição que foi apresentada pela entidade, no âmbito da consulta pública sobre a resolução normativa da Aneel.
Outro defensor da inclusão de um artigo sobre o reequilíbrio na regulamentação da conta-covid é o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales. “Seria minimamente suficiente fazer constar na decisão da Aneel que, mediante solicitação das empresas, a agência irá proceder com a avaliação de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, considerando os efeitos da covid-19 na redução do mercado e seus reflexos na cobertura tarifária”, disse.
Para Sales, sem uma cláusula que faça referência à possibilidade de reequilíbrio das concessões por causa da crise da covid-19, até mesmo o empréstimo ao setor, que ficou conhecido como “Conta-Covid”, corre o risco de não se materializar. “Sem isso, as distribuidoras não ficam em condição de aceitar e assinar o contrato”, afirmou. Isso porque uma das condições para aceitar o empréstimo é que as concessionárias abdiquem de eventuais posteriores disputas judiciais sobre o tema e, na sua avaliação, ainda há incertezas sobre quais fatores serão considerados no processo de reequilíbrio.
Em um cenário pessimista, o presidente do Acende Brasil sugeriu que a possibilidade de rebaixamento generalizado de rating no setor elétrico, não só das próprias distribuidoras como também de geradoras e transmissoras, que possuem ao menos parte de suas receitas provenientes do repasse de recursos das concessionárias de distribuição. “Fazer constar essa questão é essencial, é o mínimo para que as companhias possam indicar às auditorias e seus credores que o reconhecimento vai ocorrer, e proteger seus covenants”, comentou.
Em relatório publicado nesta semana, analistas da Moody’s afirmaram que, embora as distribuidoras não estejam altamente alavancadas, possuem um pequeno colchão nos covenants financeiros. “A alavancagem média das distribuidoras avaliadas foi de 2,6 vezes dívida líquida/Ebitda, reportado pelas empresas em 31 de março de 2020. Algumas companhias têm mais flexibilidade para levantar dívida adicional dentro dos limites dos covenants financeiros em seus contratos de dívida existentes, variando de 2,5 vezes a 4,25 vezes, mas o colchão provavelmente diminuirá durante o segundo trimestre, em meio a novos empréstimos e uma redução esperada no Ebitda”, afirmaram os analistas Cristiane Spercel, Aneliza Crnugelj, Bernardo Costa e Alejandro Olivo.
No momento, todas as elétricas avaliadas pela Moody’s estão com perspectiva estável ou positiva: Celesc (Ba2; Aa3.br); Cemig/Cemig D (B1, Baa1.br); CPFL Energia/CPFL Paulista (Ba1, Aaa.br); EDP Brasil/EDP ES/EDP SP (Ba2, Aa2.br); Enel SP (Ba1, Aaa.br); Energisa (Ba2, Aa2.br); Light S.A./Light SESA (Ba3, A2.br).
Vale salientar que o empréstimo conta-covid será off-balance, portanto não deve influenciar o endividamento das empresas.
Nova consulta pública
No decreto 10.350/2020, o Ministério de Minas e Energia já aponta que “a necessidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão e permissão do serviço público de distribuição energia elétrica será avaliada pela Aneel em processo administrativo, mediante solicitação fundamentada do interessado”, mas não detalha como se dará esse processo, o que ficou a cargo da Aneel.
A relatora do processo sobre a regulamentação do decreto pela Aneel, a diretora Elisa Bastos Silva, reforçou, em seu relatório, o entendimento de que processos de recomposição de equilíbrio econômico-financeiro das concessões pode ser necessário, mas optou por separar os detalhamentos, avançando inicialmente apenas no que diz respeito à resolução do problema financeiro de liquidez das distribuidoras, para o qual a solução encontrada foi a conta-covid.
Sobre o pedido de reequilíbrio dos contratos das distribuidoras em razão dos efeitos da pandemia, a diretora propôs que as áreas técnicas da agência avaliem os impactos econômicos em outro processo. Pela proposta da diretora, portanto, essa etapa será discutida em uma segunda fase, precedida de audiência pública e análise de impacto regulatório.
Na avaliação dos executivos, a sinalização inicial do decreto ministerial e as declarações da relatora não dão o conforto suficiente para as distribuidoras, especialmente porque a metodologia hoje existente para os processos de revisão tarifária (Proret – Procedimentos de Regulação Tarifária) não preveem questões como as que surgiram com a crise da covid-19. “As RTE (revisões tarifárias extraordinárias) são para tratar desequilíbrios nas concessões, mas do ponto de vista de aumento de custos. Agora, não se trata disso, mas de redução de receita e o mecanismo existente não é adequado”, explicou Madureira, da Abradee.
Ele disse concordar com a necessidade de um processo adicional, como defende a relatora Elisa Bastos, para o detalhamento do procedimento, mas reforçou a necessidade de abordar a questão já na primeira regulamentação, para dar mais segurança às distribuidoras, seus credores e investidores, de que há um ativo regulatório a ser recuperado no futuro. Segundo o dirigente, a compensação não necessariamente se dará por aumentos tarifários, mas podem considerar outras alternativas que garantam o reequilíbrio contratual.
Por Luciana Collet
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