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Despenca a produção científica feminina

A química Lívia Soman, de 37 anos, mal havia saído da licença-maternidade e começava a engrenar novamente em suas pesquisas com fungos da biodiversidade brasileira, em busca de compostos com potencial para uso humano, quando São Paulo adotou medidas de isolamento para conter o coronavírus. A cientista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) de Diadema se viu, então, diante da necessidade de retornar toda a atenção para a filha de 1 ano e 2 meses, que já não tinha mais como ir para a escola, e os cuidados com a casa.

Pesquisadoras mulheres, especialmente as com filhos, têm visto sua produção científica despencar com as restrições impostas pela pandemia. Se o isolamento trouxe dificuldades como um todo para a ciência, que teve de se afastar dos laboratórios e das possibilidades de ir a campo, para mães até mesmo escrever artigos, algo teoricamente simples no home office, se tornou quase impossível. Publicações científicas têm feito alertas de que a submissão de artigos por mulheres caiu ou se manteve estável enquanto as de homens cresceram.

Um grupo no Brasil voltado para discutir maternidade e paternidade no universo científico, o Parent in Science, resolveu checar se o problema também estava acontecendo aqui. O estudo foi obtido com exclusividade pelo Estadão. Mais de 6 mil pesquisadores (entre pós-graduandos, docentes e pós-docs) responderam a um questionário sobre como a pandemia e o isolamento estão afetando seu trabalho.

Se de modo geral o trabalho remoto afetou pesquisadores de pós-graduação (apenas 1/3 está conseguindo trabalhar de maneira remota), entre as mulheres apenas 10% estão conseguindo realizar suas pesquisas. Entre pós-docs, o cenário parece ainda mais grave: só 5% das mães conseguem manter a produtividade na quarentena.

Entre os docentes, 20% dos homens sem filhos disseram não ter conseguido finalizar artigos para submissão durante a pandemia; entre mulheres com filhos, foram 51,38%. Com base nos resultados, o grupo enviou uma carta à revista Science comentando a preocupação. “Não podemos permitir que a pandemia reverta avanços e aprofunde a lacuna de gênero na ciência”, escreveram as cientistas lideradas pela bióloga Fernanda Staniscuaski, da UFRGS, que coordenou o estudo.

Lívia estava escrevendo projetos, orientando pesquisas, quando veio a pandemia. “O problema não é a quarentena, mas a quarentena com uma bebê em casa, de 1 ano e 2 meses. Afetou muito o trabalho acadêmico. Meu marido também é professor e cientista, divide os afazeres domésticos comigo em 50%, mas ela é bebê, demanda muito de mim.” A pesquisadora tentou trabalhar com a menina no colo, mas não deu muito certo. “Estava concentrada no que estava lendo e não reparei que ela estava batendo no teclado do laptop. Quando vi, tinha quebrado, os comandos não funcionam mais.”

Culpa

“Mal consigo ler um e-mail. Mas tenho colegas que contam estarem com a maior produtividade da vida. Eu nem sei quem vou ser depois da pandemia, como vou correr atrás do tempo perdido. É uma sensação de frustração e culpa.” A etnobotânica Patrícia de Medeiros, de 33 anos, professora da Universidade Federal de Alagoas e mãe de uma menina de 1 ano e 9 meses, também estava na retomada dos trabalhos pós licença-maternidade quando teve de trocar Maceió por Arapiraca, para ajudar a sogra, que passa por um tratamento de câncer e não podia ficar sozinha.

“De 8 horas de trabalho, passei a começar a trabalhar quando ela (a filha) dorme. E essa menina dorme à meia-noite! Ainda assim não faço nem quatro horas. A produção está atrasada, a prestação de contas que tenho de entregar no fim do mês. O prazo está chegando e não vou conseguir cumprir. Vêm crise de ansiedade, momentos de choro, culpa.”

Para quem está na linha de frente nos estudos da covid-19, é um pouco diferente, mas também dramático. Com senso de urgência, responsabilidade aumentada de trazer respostas, as pesquisadoras estão se desdobrando em estratégias, muitas horas trabalhadas e poucas de sono, para dar conta de tudo.

Covid e lição de casa

A matemática Dayse Haime Pastore, de 42 anos, do Cefet/RJ, faz projeções de crescimento da doença e de lotação de leitos de hospital. Imediatamente antes de dar a entrevista, ela estava estudando Matemática com o filho, de 13 anos, que teria prova no dia seguinte. “Não é fácil para as crianças aprenderem online. E se não é fácil para as crianças, não é fácil para os pais”, diz. “Se eu não tivesse virado a pesquisa para o coronavírus, provavelmente não estaria nem trabalhando, porque é muito difícil mesmo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Giovana Girardi

Estadão Conteúdo

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