O Congresso Nacional abriu uma brecha para que as prefeituras possam suspender o pagamento de sua parte na contribuição previdenciária aos regimes próprios de servidores municipais de março a dezembro de 2020. Se todos os municípios elegíveis aderirem, 2,1 mil prefeitos jogarão para os sucessores uma bomba de R$ 18,5 bilhões.
O problema é que muitos desses regimes previdenciários já estão desequilibrados, e o Ministério da Economia vê risco até de faltar dinheiro para o pagamento de benefícios.
O dispositivo foi inserido pelo Senado Federal no projeto de socorro aos Estados e municípios, aprovado por senadores e deputados e que agora está na mesa do presidente Jair Bolsonaro para sanção. A área técnica deve recomendar veto ao presidente, segundo apurou o Estadão/Broadcast, mas o Planalto pode ou não acolher a orientação. Um veto também pode ser derrubado no Congresso Nacional.
Entidades municipais negam qualquer interesse eleitoreiro na medida, desenhada, segundo eles, para dar alívio às prefeituras num momento de sobrecarga dos sistemas de saúde e assistência para o combate à pandemia do novo coronavírus.
A área econômica do governo, porém, viu na ação uma tentativa de aproveitar a calamidade pública e o afastamento de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para ajudar os prefeitos a fechar as contas no período final de mandato.
Pagamentos adiados
Além de beneficiar as prefeituras que têm regimes próprios, o projeto também permite a municípios que contribuem ao INSS adiar pagamentos das prestações de dívidas refinanciadas em 2017. Naquele ano, uma lei permitiu às prefeituras parcelar cerca de R$ 75 bilhões em débitos, com descontos em multas juros, por um prazo de até 200 meses.
Com a lei aprovada esta semana no Congresso, os pagamentos das parcelas ficam suspensos também entre março e dezembro de 2020. Essas prestações vão para o fim da fila, ou seja, serão quitadas apenas ao final do contrato, que dura até 16 anos e meio. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima um alívio de R$ 5 bilhões com essa medida.
Procurada, a Secretaria de Previdência do Ministério da Economia informou que “avalia como tecnicamente preocupante a suspensão do pagamento das contribuições previdenciárias devidas pelos municípios”. Segundo o órgão, a iniciativa vai aumentar o endividamento previdenciário dos municípios que recolhem ao INSS e o déficit atuarial dos que têm regime próprio. O déficit atuarial reflete o rombo que sobraria nos cofres caso a prefeitura tivesse que desembolsar hoje todos os benefícios previstos para o futuro.
“Alguns municípios, cujos RPPS (regimes próprios) possuem reservas financeiras muito baixas, poderão inclusive enfrentar dificuldade para o pagamento de seus aposentados e pensionistas”, alerta o órgão em nota.
Segundo a Secretaria de Previdência, se todos os municípios aprovarem lei suspendendo as contribuições aos regimes próprios, a folga pode chegar a aproximadamente R$ 18,5 bilhões, “agravando a situação do desequilíbrio financeiro e atuarial desses RPPS e o risco de não pagamento de benefícios”.
FNP
O vice-presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), Firmino Filho, de Teresina (PI), diz que a suspensão das contribuições é um “alívio necessário” diante da perda de receita. Ele refutou os cálculos do governo de que a folga pode chegar a R$ 18,5 bilhões e disse que a conta está superestimada. “É um auxílio pequeno.”
Para Firmino Filho, as críticas à medida partem de quem “não entendeu o momento que estamos vivendo”. “Tem muito burocrata em Brasília que vive distanciado da província”, afirma. Ele também refuta o risco de calote no pagamento dos benefícios e garante que os prefeitos “terão responsabilidade” para assegurar os repasses.
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, diz que haverá regulamentação do Ministério da Economia para evitar desvios no uso da folga que será aberta no Orçamento das prefeituras com a medida. Segundo ele, a ideia é prever que o dinheiro só poderá ser usado para repor perdas na arrecadação, auxiliar no pagamento da folha ou para bancar ações de combate à pandemia.
“Não vai acontecer isso (uso para fins eleitorais), não há essa possibilidade”, afirma Aroldi. Segundo ele, não haverá sequer espaço para prefeitos flertarem com aumento de gastos supérfluos como plataforma de campanha, porque as dificuldades permanecerão até o fim do ano.
Nos cálculos da CNM, os municípios devem ter até o fim do ano uma perda de R$ 74,5 bilhões em receitas com a crise de gerada pela pandemia. O socorro federal, por sua vez, garantiu um repasse de R$ 23 bilhões às prefeituras, cerca de um terço do buraco. “O prefeito que usar o espaço pela suspensão das contribuições previdenciárias para obras não atenderá às pessoas nas áreas de saúde e assistência”, diz Aroldi.
O aval à suspensão de pagamentos das prefeituras à Previdência aprovada pelo Congresso permite que os municípios interrompam o recolhimento de contribuições tanto regulares quanto extraordinárias, na avaliação de técnicos ouvidos pelo Estadão/Broadcast.
As alíquotas extraordinárias são bancadas pelo município quando há necessidade de sanar um desequilíbrio atuarial no fundo responsável por pagar aposentadorias. É o chamado plano de equacionamento, espécie de esforço feito agora para evitar que falte dinheiro para benefícios no futuro.
Uma das cidades que têm plano de equacionamento vigente é Santa Maria (RS). Lá, a prefeitura precisa desembolsar todo mês 18% sobre a folha a título de contribuição regular e mais 33,46% sobre a mesma base como alíquota extraordinária. Em 2029, a cobrança extra chegará a 111,08% da folha para dar conta do buraco, segundo o plano aprovado no fim de 2018.
A avaliação na área econômica é que os municípios já têm um cenário delicado para honrar os compromissos com a Previdência no futuro. Por isso, adiar esse tipo de pagamento apenas “joga a bomba” para os sucessores. No caso dos pagamentos aos regimes próprios, a lei sequer diz quando os valores devidos serão regularizados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Idiana Tomazelli
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