Eles nasceram sem direito à visita da família. Sequer conheceram avós, tios, primos. Outros não puderam ter nem seus pais por perto nos exames pré-natal. Ou, pior, quando suas mães entraram em trabalho de parto ou se recuperavam após seu nascimento. Alguns tiveram que permanecer na UTI e precisam agora ver as mães por teleconferência. São os bebês da quarentena. Eles estão vindo ao mundo quando o mundo já não é mais o mesmo – e medidas de isolamento são impostas pela pandemia de coronavírus.
“Tenho momentos de desespero, a vida está passando, não tem volta e ninguém conheceu ele com dias de vida”, diz a farmacêutica Camila Campos, de 35 anos, mãe de Benício. Ele nasceu em 26 de março, no início do período de quarentena em São Paulo, com visitas proibidas pelas maternidades. Só a mãe de Camila viu o bebê nos primeiros dez dias porque se mudou para a casa da filha um tempo antes e se isolaram juntas. Mas depois foi embora e nunca mais voltou. Nem ninguém.
O mesmo acontece na casa da arquiteta Daniela Sodré, de 28 anos, que havia preparado lembrancinhas, enfeite de porta, fotógrafo, vídeo, tudo para quando Enrico chegasse. O bebê nasceu dia 23 de março e só foi visto pela família por uma vídeo conferência no celular, logo após o parto. “Minha mãe tinha tirado férias para me ajudar e não pode vir aqui porque mora com a minha avó. Nada do que eu tinha imaginado aconteceu.”
É como se fosse um isolamento dentro do isolamento, explica a psicóloga especializada em saúde da mulher Daniela Andretto. Isso porque os pais já têm a liberdade tolhida após ter um bebê, não podem sair muito, dormem pouco, têm novas e difíceis funções. “É quase uma tensão constante e o isolamento potencializa algo que já é fora do habitual. A mulher pode entrar em estado de esgotamento físico e emocional”, explica.
E as visitas não são apenas capricho. A ajuda da mãe, por exemplo, é um apoio prático e emocional para a mulher que acaba também de se tornar mãe. A psicóloga afirma ainda que mostrar o bebê para a sociedade ajuda a fortalecer esse papel. “Ouvir como ele é lindo e fofo para uma mãe que não dormiu a noite toda é muito bom. Ela fica com peito estufado e vê que o que está fazendo está dando certo, está valendo a pena.”
Grupo de risco
As puérperas, mulheres que acabaram de ter filhos, e as grávidas foram declaradas como grupo de risco para o coronavírus pelo Ministério da Saúde no Brasil apenas em abril. Apesar de não haver pesquisas conclusivas, casos de morte de gestantes e bebês chamaram a atenção dos médicos.
Elas podem ter a imunidade e o sistema respiratório comprometidos principalmente no último trimestre da gravidez e logo após o parto. Foi recomendado então que as grávidas só saíssem de casa para os exames e consultas do pré-natal, e as puérperas, para ir ao pediatra.
A publicitária Larissa Leal, de 35 anos, e grávida de 36 semanas de Pietro, está indignada porque o hospital onde teria seu filho não permite a entrada do marido em todo o procedimento do parto, apenas no momento de expulsão do bebê. “É quando estamos mais vulneráveis emocionalmente e quem poderia me dar mais apoio não vai estar presente o tempo todo.”
Uma nota técnica do Ministério da Saúde, de 13 de abril, diz que o acompanhante escolhido pela mulher pode permanecer durante o trabalho de parto e o parto depois de ser testado para a covid-19. Mesmo se o resultado der positivo, mas ele estiver assintomático e for do convívio diário da mulher, não deve ser proibido de participar desde que use proteção. Apenas se tiver sintomas, não poderá entrar. A permanência do acompanhante no pós parto no hospital é recomendada pela nota apenas “onde há instabilidade clínica da mulher ou condições específicas do recém-nascido”.
Procurada pela reportagem, a prefeitura de São Caetano do Sul, que administra o hospital onde Larissa pretende dar à luz, informou que há “uma orientação e não uma proibição” de que as gestantes e seus familiares não permanecerem juntos durante o trabalho de parto “para evitar aglomeração”.
Na França, a brasileira Aline Alves Bouley, de 37 anos, deparou-se com regras até mais rígidas. Grávida do primeiro filho e sem ter a família por perto porque as fronteiras estão fechadas, seu marido sequer pode entrar no hospital quando faz exames de ultrassom. Semana passada, Aline teve um sangramento e ficou internada dois dias sozinha.
O pai também só deve ser autorizado a entrar na sala de parto no momento em que o bebê estiver nascendo. “Estou com medo, vou ficar sozinha, não tenho para quem perguntar nada, não é minha língua”, diz Aline. A bebê Ana Rose é esperada para nascer em junho.
Pesquisas mostram que a presença de um acompanhante aumenta a satisfação da mulher e diminui os riscos de o bebê não nascer saudável. “Mesmo no pós-parto, o acompanhante dá um apoio grande, a gestante precisa tomar banho e de ajuda”, diz a ginecologista e professora da Universidade Federal de Campina Grande, Melania Amorim.
“Enfermeiras estavam mascaradas, falando de longe comigo, não tem acolhimento”, conta a nutricionista Lucrécia Delfiori, de 34 anos, sobre o parto de Lara, em 12 de abril.
Fazendo o caderno de recordações da filha, ela reflete sobre como vai contar a ela sobre o ano em que nasceu. “Filho, o mundo estava de cabeça para baixo”, completa Camila. No entanto, a farmacêutica e outras novas mães da quarentena – que têm um companheiro – apontam algo positivo: a presença constante do pai do bebê em casa. “Se não tivesse o coronavírus, ele já estaria trabalhando, agora o vínculo familiar tem se fortalecido muito”, diz. “Estamos muito conectados. Somos só nós três”, concorda Daniela.
‘Crianças crescerão mais conscientes’
A psicóloga Daniela Andretto diz que para amenizar os efeitos do isolamento as mulheres devem se engajar em grupos de apoio online, fazer lives com família e amigos e até escrever um diário para depois contar ao filho sobre o momento que vivemos.
Ela também acredita que os bebês vão crescer com noção maior de coletividade por tudo que os pais estão passando, já que fica claro o quanto nossas ações podem afetar os outros. E ainda há a reflexão de que talvez precisemos de menos do que achávamos que precisávamos, do ponto de vista material, completa. “Ter um filho em época de pandemia e isolamento pode ajudar a criar crianças mais conscientes do coletivo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Renata Cafardo
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