A compra emergencial de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e respiradores artificiais para enfrentar a epidemia de coronavírus expõe a falta de coordenação entre governos estaduais e a União na crise sanitária. A concorrência entre eles se acirrou depois que o Ministério da Saúde passou a usar a legislação aprovada recentemente para centralizar as compras de produções inteiras de materiais essenciais para o enfrentamento da covid-19.
Sem querer ficar à mercê das escolhas da União – e diante da instabilidade na Esplanada dos Ministérios, com as ameaças de demissão que rondam Luiz Henrique Mandetta (Saúde) -, os governadores decidiram investir em compras no exterior. Relações históricas e comerciais com a China têm sido tão ou mais importantes na crise do que contar com um bancada fiel de parlamentares em Brasília.
Entre os Estados que avançaram em direção ao Oriente para garantir autonomia no combate à doença está São Paulo. Depois de requisitar 500 mil máscaras em uma planta da 3M e bater boca com o presidente Jair Bolsonaro em reunião com governadores do Sudeste em razão de o Ministério da Saúde ter requisitado respiradores, o governador João Doria (PSDB) mudou de estratégia. Ele quer evitar o confronto direto. O tucano acionou o escritório do governo paulista em Xangai, inaugurado em 2019, para fechar com a China uma compra de 2.000 respiradores, sendo 700 para a capital.
Além de São Paulo, a Bahia, governada por Rui Costa (PT), é outro Estado que busca no exterior uma estratégia para se enfrentar a emergência. Ela faz as compras para os Estados nordestinos por meio do Consórcio do Nordeste, e encomendou respiradores artificiais na China nas duas últimas semanas.
Disputa
A compra no exterior é consequência da disputa com a União. O governo do Maranhão cita o uso pelo Ministério da Saúde da Lei 13.979/2020 como “dificuldade” para a obtenção de equipamentos no mercado nacional. Por meio dela, o ministério “requisitou a totalidade de aparelhos já produzidos, disponíveis e em montagem pelos próximos 180 dias dos fornecedores no Brasil e representantes de multinacionais”. O jornal O Estado de S. Paulo procurou o ministério, mas não obteve resposta.
Uma das empresas que o governo de Flávio Dino (PCdoB) procurou foi a Vyaire Medical, de São Paulo. No dia 1º de abril, a fabricante de respiradores respondeu que não poderia atender ao pedido do Maranhão em razão de o ministério ter requisitado sua produção dos próximos seis meses. “Em consequência disso, todas as operações comerciais da Vyaire foram suspensas, impossibilitando o atendimento de compromissos já firmados”, informou a empresa.
O consórcio do Nordeste enfrenta ainda a ameaça de concorrentes externos. Sua primeira compra de 600 respiradores estava a caminho da Bahia quando, em uma escala em Miami, o fabricante chinês resolveu deixá-los nos Estados Unidos. Em nota, a embaixada americana negou participação no caso – Jair Bolsonaro compartilhou a informação em suas redes sociais.
Custo
Na semana passada, a Bahia fechou nova compra de 300 respiradores de empresas chinesas. Os equipamentos serão distribuídos entre os nove Estados que integram o Consórcio do Nordeste. Para evitar uma nova retenção, o governo baiano vai usar uma rota alternativa que não passe pelos EUA.
Isso deve provocar uma demora maior do que o normal para a chegada do material, além de sobrepreço de aproximadamente 100%. Na condição de principal fornecedora mundial dos insumos e equipamentos, a China passou a cobrar adiantado 50% do valor das compras e os outros 50% no ato da entrega. Antes, o pagamento podia ser parcelado.
O tamanho do desafio diante dos governos pode ser medido pelos números apresentados pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde. Só de EPIs o País deve precisar importar 500 milhões de unidades nos próximos seis meses e abrir mais 8 mil leitos de UTI nos hospitais. “Atualmente, o Brasil dispõe de 14,9 mil leitos de UTI adultos”, disse.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Marcelo Godoy, Pedro Venceslau e Ricardo Galhardo
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