O espetinho de churrasco que o presidente Jair Bolsonaro visitou duas semanas atrás em Taguatinga, na região do entorno de Brasília, segue rodeado de pessoas. Em descumprimento ao decreto baixado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que proibiu o funcionamento do comércio ambulante até o dia 3 de maio, o vendedor Edvaldo de Almeida trabalha tranquilamente. “Vendo uns 70, 80 espetinhos por dia”, comenta ele, enquanto dá o troco a um cliente.
O espetinho do Almeida não é exceção. Ao seu redor, dezenas de barraquinhas estão montadas em Ceilândia e Taguatinga, a 25 quilômetros do Palácio do Planalto. A reportagem percorreu as regiões do DF e encontrou lojas de roupas, de cosméticos, de utensílios domésticos, salões de beleza e de cabeleireiros, entre outros pontos comerciais, funcionando normalmente. Todos esses estabelecimentos estão, por lei, impedidos de funcionar no DF por causa da quarentena. Em diversas ocasiões, a reportagem encontrou lojas com as portas de aço abertas pela metade, mas funcionando normalmente, com diversos clientes no interior.
Entre as maiores aglomerações de pessoas, nenhuma situação superava a fila da agência da Caixa, em Ceilândia. Cerca de cem pessoas se aglomeravam na calçada, em uma espera média de três horas para atendimento. A agência ainda colocou faixas na parte externa do banco, para que as pessoas respeitassem uma distância mínima de cerca de 1,5 metro, mas ninguém obedecia. De máscara, um gerente tentava convencer as pessoas a se distanciarem, mas ninguém dava ouvidos.
No entorno do DF, parte da população tem ignorado os constantes avisos de isolamento social e circula sem máscaras pelas ruas. O Distrito Federal, que pode ser alvo, nos próximos dias, de uma expansão descontrolada do coronavírus – como alerta o Ministério da Saúde – foi o primeiro local do País a decretar suspensão de aulas nas escolas, em 12 de março. Esse prazo já foi prorrogado e as escolas permanecerão fechadas ao menos até 31 de maio.
O DF também está entre os locais com maior taxa de infecção per capita pela covid, 16,68 por 100 mil, enquanto São Paulo (líder em casos) tem 12,37 por 100 mil. Por lei, o DF determinou o fechamento, até 3 de maio, de uma longa lista de estabelecimentos, como bares, restaurantes e, inclusive, quiosques, food trucks e trailers de venda de refeições
Apesar disso, o governo do DF também tem flexibilizado as medidas, permitindo a abertura de alguns setores, como concessionárias e empresas de tecnologia. Os locais autorizados a funcionar incluem ainda lojas de materiais de construção, postos de combustíveis e lojas de conveniência – sem consumo no local. Estão liberados ainda pet shops e lojas de medicamentos veterinários. Lavanderias e floriculturas com entrega em domicílio também estão autorizadas a abrir as portas, além de atividades industriais, como a construção civil.
Há preocupação com o descumprimento da quarentena. A cidade, diz o governador, reúne características que tornam a infecção pela covid-19 uma ameaça ainda maior que em outros locais: a população é mais idosa que a das demais cidades do País, é local de grande deslocamento de pessoas para outras regiões e tem mais de 160 organizações nacionais e internacionais presentes em um mesmo local.
Nesta terça-feira, o DF somou 492 casos de coronavírus e 12 mortes confirmadas pela doença. Para evitar o travamento do atendimento à população, um hospital de campanha está sendo montado na estrutura do Estádio Mané Garrincha. “Sabemos que, se tivermos um colapso na rede de saúde, vai ser muito grave”, disse Ibaneis Rocha.
Receita
O carroceiro Manoel Leite ficou satisfeito em achar o dono do comércio ambulante onde ele compra remédios naturais, no centro de Taguatinga. Ele estava atrás de um remédio que diz ser infalível no combate a um velho coronavírus – não a covid-19, mas um tipo que há anos ameaça seus cavalos.
A ciência já descobriu que, dentro da família dos vírus tipo “corona”, nome dado porque seu formato lembra uma coroa, há um grupo com dezenas de vírus que contamina apenas os animais e que estes não atingem as pessoas, e vice-versa.
A receita de Manoel Leite tem entre seus ingredientes um velho conhecido da culinária goiana, o pequi, além de urucum, açafrão, gengibre, limão, alho, guaco, óleo de copaíba, eucalipto e “assa peixe”, uma planta medicinal utilizada para tratar problemas respiratórios. Já Manoel Leite, com seus 60 anos, garante que tem tomado os cuidados necessários. “Só saí de casa para comprar os remédios do meu cavalo mesmo. Já tô voltando.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por André Borges e Dida Sampaio
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