As medidas de distanciamento social da população para evitar a disseminação do coronavírus seriam necessárias ainda que se levasse em consideração apenas o impacto econômico. A avaliação é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman. Segundo ele, a economia vai se desorganizar com ou sem isolamento e o governo precisa “gastar dinheiro de qualquer maneira” para atravessar a crise gerada como consequência da pandemia.
Professor da Universidade de Columbia e professor emérito da Universidade de Princeton, Scheinkman diz que o governo brasileiro precisa fortalecer o caixa da saúde, proteger pequenas e médias empresas e os trabalhadores informais.
Leia os principais trechos da entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo:
Na última semana algumas vozes no Brasil, especialmente no governo, colocaram a manutenção da atividade econômica em polo oposto ao que os especialistas recomendam como estratégia de combate ao vírus, que é o isolamento da maior parte da população. É correto tratar isso como um cabo de guerra?
Não, não é um cabo de guerra. Ainda que alguém coloque as coisas puramente sob ponto de vista econômico, e não é o que eu estou dizendo que deva acontecer, em todos os cenários você precisa criar isolamento. Se, por um lado, quando você separa as pessoas também restringe atividade econômica, por outro lado, se você tem o sistema de saúde limitado, como em todo lugar do mundo, você vai perder um grande número de vidas se não fizer isolamento e isso também tem um valor econômico grande. Os cálculos do Imperial College diziam que, sem nenhuma proteção e distanciamento, os EUA perderiam de 2 a 3 milhões de pessoas. O custo econômico disso, o valor da vida, é enorme. E há outro custo, o de pessoas que ficariam sem produzir por tempo longo. Há casos de jovens ficando até um mês em Centro de Tratamento Intensivo. Essa ideia de que os jovens estão sobrevivendo tem a ver com o fato de que até agora os sistemas de saúde foram capazes de tomar conta deles. Até mesmo na Itália, onde já há racionamento de serviço médico, a ética profissional é de proteger quem vai viver mais. Jovens têm se beneficiado disso. O peso econômico seria muito grande de qualquer maneira. Em países como Brasil, o isolamento visa a achatar a curva. A quantidade de pessoas doentes é eventualmente a mesma, mas você resolve o problema de manter serviço médico para as pessoas que ficam doentes.
O sr. mencionou que estava, antes dessa entrevista, em um seminário online com economistas sobre o tema. O entendimento sobre a necessidade do distanciamento social é o mesmo?
Nessa conversa, com economistas americanos, europeus e eventualmente de outros lugares do mundo, não houve entre os expositores e nem entre os que fizeram perguntas quem levantasse a ideia de que podemos acabar com o distanciamento social. Houve discussão sobre os casos dos EUA e da Itália, em um momento em que a taxa de infecção e de utilização dos hospitais em certas áreas é muito alta. Se olharmos para onde o Brasil está indo, está em uma curva que vai levar o país até lá (alto número de infecções) muito rapidamente.
O senhor tem defendido uma linha de crédito emergencial para pequenas e médias empresas. As PMEs devem ser uma das prioridades do governo na crise?
Por que essa é uma questão importante? A economia vai se desorganizar de uma maneira ou de outra. Ou será de uma maneira um pouco organizada, com o distanciamento social, ou porque, de repente, tantas pessoas estarão doentes que o sistema médico entra em colapso e a população terá medo de sair de casa. Seja como for, a economia vai se desorganizar. O que forma uma empresa? O seu capital, mas também sua rede de conhecimento. O sujeito já tem a maneira de fazer, os empregados certos, o contrato de aluguel. Se, de repente, essas empresas desaparecem, demora muito tempo para reconstruir isso depois. Na crise atual, o problema é menor para o sistema financeiro, para as grandes empresas que podem fazer empréstimo em banco. Mas as PMEs no Brasil sempre tiveram pouco acesso a crédito, os spreads são absurdamente altos para a pequena empresa. É muito pouco provável que uma pequena empresa se mantenha viva depois de dois meses sem faturamento e isso tem um impacto enorme no emprego, na vida das pessoas. É muito diferente da crise de 2008. Algumas pessoas no início estavam vendo uma repetição do filme de 2008. E não é uma repetição, há grandes diferenças.
O que está faltando nos anúncios da equipe econômica?
Outro número que tem que aparecer é dinheiro para saúde. O Banco Central já fez o que pode fazer para as empresas grandes, que é dar crédito barato e fazer que os bancos repassem isso. Se você for uma empresa grande, a chance de que o bancos repassem o crédito barato é bastante alta. Estou mais preocupado com saúde, informais e PME. O mais importante agora são esses três pilares: dinheiro na saúde, a questão dos informais e das pequenas e médias empresas. Achar verba para suportar esses três pilares é extremamente importante, mesmo na situação fiscal que estamos. Sobre o resto podemos falar mais tarde. Continuo a favor das reformas, mas elas não vão passar a tempo de ajudar a atual crise, não é uma questão para discutirmos agora.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Beatriz Bulla, correspondente
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