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Fala de Bolsonaro contradiz OMS, especialistas e medidas adotadas no mundo

Com o pronunciamento da noite desta terça-feira, 24, o presidente Jair Bolsonaro voltou a questionar medidas adotadas no País para combater o coronavírus e minimizar a pandemia. Com um discurso que contradiz indicações da OMS, especialistas e protocolos adotados ao redor do mundo, o presidente foi rapidamente criticado por autoridades políticas e da área da saúde.

Entre as medidas atacadas por Bolsonaro estão o fechamento de escolas, o isolamento social imposto pelos Estados e o fechamento do comércio. O presidente também voltou a chamar o coronavírus de “gripezinha” ou “resfriadinho”. Veja algumas das afirmações feitas por Bolsonaro durante o pronunciamento:

“Grande parte dos meios de comunicação foi na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália. Um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso”, disse.

A relação feita pelo presidente entre o clima e a transmissão do coronavírus não é absoluta. Estudos apontam que o clima quente pode até diminuir mas não impede a transmissão do coronavírus. Observando o número de casos notificados da doença, é possível notar um avanço considerável tanto no Brasil quanto na Itália em um curto espaço de tempo. O Monitor da Pandemia, ferramenta criada pelo jornal O Estado de S. Paulo, mostra que, 10 dias depois de registrar 100 casos de covid-19, a Itália, país com o quadro mais grave da doença, chegou a 3.089, enquanto o Brasil registrou, oficialmente, 1.891. Há indícios de subnotificação nos dois países.

“Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa.”

A Sociedade Brasileira de Infectologia rebateu as declarações feitas pelo presidente e reafirmou a necessidade de isolamento social para conter a pandemia do coronavírus. Atualmente, 2,6 bilhões de pessoas convivem com regras de confinamento mais ou menos rígidas, a depender do país. No Brasil, governadores de vários Estados adotaram medidas a fim de diminuir a circulação de pessoas e assim reduzir a propagação do vírus.

“O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine.”

Ao tentar despreocupar quem está em uma faixa etária menor, o presidente contraria a recomendação do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que, na semana passada, demonstrou preocupação especial com os jovens. “Vocês não são invencíveis. Esse vírus pode colocar você no hospital por semanas ou até matar. Mesmo que não fique doente, as escolhas que faz sobre onde ir podem fazer a diferença sobre a vida ou a morte de outra pessoa”, afirmou Ghebreyesus. Segundo dados da OMS, uma em cada cinco pessoas são infectadas por quadros mais graves da doença, com necessidade de internação hospitalar.

Quanto à suspensão das aulas foi instituída em vários Estados a fim de evitar o contágio entre crianças e o posterior contato destas com pais e avós que estejam em grupos de risco. No entanto, a medida não é exclusiva do Brasil. Segundo a Unicef, 95% dos estudantes da América Latina e do Caribe estão sem aulas em razão do coronavírus. O órgão inclusive lançou no começo da semana a campanha #AprendoenCasa (em espanhol) para estimular atividades pedagógicas durante o período de isolamento.

“No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”, disse o presidente

Bolsonaro voltou ao utilizar o termo “gripezinha” para falar sobre o coronavírus. A Sociedade Brasileira de Infectologia criticou a classificação dada pelo presidente à doença: “resfriadinho” e se mostrou preocupada com a “falsa impressão” dada por ele de que as medidas anunciadas são inadequadas.

Além disso, ao afirmar que o passado de atleta o eximiria de maiores preocupações, o presidente ignorou fazer parte de um grupo de risco. Bolsonaro tem 65 anos, ou seja, é idoso, o que o coloca no grupo em que a doença tem maior taxa de letalidade.

“Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.”

No Brasil, uma coalizão que inclui o Hospital Israelita Albert Einstein, o Hospital do Coração (HCor), o Hospital Sírio-Libanês e a Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet) em parceria com o Ministério da Saúde (Departamento de Ciência e Tecnologia), vem realizando estudos para testar a eficácia do medicamento no combate ao covid-19. De acordo com o grupo, dois estudos envolvem a avaliação de azitromicina e hidroxicloroquina em pacientes hospitalizados com doença leve à moderada e outro em pacientes com doença grave.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o País “já validou” e está fornecendo a cloroquina para pacientes mais graves. Mas recentemente o diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contra-almirante e médico Antonio Barra Torres, fez um alerta para que os brasileiros não repitam o erro de americanos e europeus de correr às farmácias para comprar a cloroquina.

Segundo Barra Torres, que está em contato permanente com a correspondente da Anvisa nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA), os testes ainda são preliminares e o uso do medicamento sem indicação médica pode causar fortes efeitos colaterais. Além disso, ele demonstrou o temor de que a cloroquina possa faltar nas farmácias para quem realmente precisa, os pacientes com malária, lúpus, artrite e outras doenças reumáticas.C

Por Renato Vasconcelos

Estadão Conteúdo

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