Os bancos centrais não conseguirão resolver a crise econômica global causada pelo avanço da pandemia de coronavírus, diz Barry Eichengreen, economista e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o economista afirma que governos terão de usar o espaço fiscal para injetar gasto público nas áreas em que o gasto privado está paralisado. “Pessoas pararam de gastar, empresas pararam de consumir e pessoas vão em breve parar de receber salários”, diz. Para ele, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deve oferecer ajuda para países sem espaço fiscal. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A crise de 2008 foi em torno dos mercados financeiros, enquanto esta começa por conta de uma questão de saúde. Quais são as principais diferenças em termos de soluções para enfrentar este momento?
Quem ainda estiver perguntando se isso é uma crise está atrás da curva. A principal diferença desta vez é que temos uma crise de saúde que não poderá ser resolvida por políticas fiscais e monetárias apenas. Nos Estados Unidos, temos escassez de locais para realizar testes. Estamos prestes a ter uma escassez severa de leitos hospitalares e equipe médica. Ainda é útil que os bancos centrais forneçam liquidez e que os governos ofereçam apoio fiscal para restringir as claras e graves repercussões na produção e consumo de bens e serviços, mas a crise de saúde se sobrepõe e o fato de que nós nos EUA, em particular, estamos mal posicionados para resolvê-la são complicações adicionais.
Que tipo de política econômica é a mais efetiva neste momento?
Os bancos centrais podem fornecer a liquidez necessária para os mercados funcionarem e dar aos bancos recursos e incentivos para manter as linhas de crédito. Os governos podem oferecer transferência emergencial de dinheiro a indivíduos que estão em quarentena ou em casa cuidando das crianças que estão sem aulas. Na prática, isso significa atualmente todos os americanos.
Qual sua avaliação sobre o corte de juros do Fed (o Banco Central americano) anunciado no domingo?
O Fed fez tudo o que poderia: prover liquidez para garantir que os mercados continuem a operar, se comprometendo a fornecer liquidez aos bancos por outros canais, se necessário, e apoiando o mercado de títulos garantidos por hipotecas por meio da compra de ativos. Isso deve evitar que o sistema bancário pare de funcionar, o que evita agravar os choques de oferta e demanda que afetam o setor não financeiro da economia. Mas é tudo o que um banco central pode fazer. Um banco central não conseguirá resolver o problema do setor não financeiro da economia, onde as pessoas pararam de gastar, empresas pararam de produzir e pessoas irão em breve parar de receber salários. Para resolver isso, o Congresso precisa usar a política fiscal para substituir o gasto privado, que parou, pelo gasto público, e para garantir que as pessoas recebam seguro-desemprego, pagamento por doença, cupons de alimentação e assim por diante.
Como países emergentes, e especificamente o Brasil, podem responder a esses desafios?
Os mercados emergentes vão enfrentar preços baixos de commodities e baixa demanda, conforme Europa, EUA e Japão caminham para a recessão. Países com espaço fiscal e monetário devem usá-lo. O Fundo Monetário Internacional prometeu recursos financeiros livres de condições para mercados emergentes afetados pela pandemia. São US$ 50 bilhões até agora – isso não é suficiente.
Qual é a resposta desejada então de organizações multilaterais e economias dos diferentes países?
Neste momento, precisamos de linhas de swap do Fed para outros países, incluindo mercados emergentes, para manter o crédito de comércio fluindo, já que a maior parte do crédito comercial é em dólares. Os países precisam usar a política fiscal em grande escala para apoiar a demanda, e o FMI precisa providenciar recursos financeiros para países sem espaço fiscal.
O presidente Donald Trump restringiu os voos vindos da Europa, em uma medida surpreendente para líderes europeus. Muito se fala na necessidade de coordenação global para solução da crise. O sr. vê esforços de cooperação internacional para conter a pandemia?
A ação do Trump foi estúpida. O vírus já está nos EUA. Imaginar que poderemos conter o vírus ao impedir as viagens é sem sentido. Não notificar nossos ‘amigos’ europeus causa danos desnecessários para as perspectivas de cooperação.
Mas, de uma maneira mais ampla, ações isoladas como a de Trump são o novo normal? Qual o risco da falta de coordenação entre os países?
A falta de coordenação significa proibições de viagem em casos que não serão benéficos e apenas causam caos. Significa a relutância em compartilhar informações sobre os casos, causas e curas em razão da falta de confiança. Significa não exportar máscaras e respiradores aos lugares que mais precisam.
O governador de Nova York tem pedido que o governo Trump se comprometa com ordens para que estabelecimentos em todo o país fechem as portas, para que iniciativas não sejam limitadas em nível estadual.
Sim, o governo federal precisa fazer mais para coordenar as políticas de distanciamento social e o fechamento de negócios. Fechar as portas do comércio em Nova York, mas mantê-los abertos em New Jersey, por exemplo, não adianta nada quando as pessoas podem livremente cruzar as divisas estaduais. O governo e o Congresso não fizeram nada para explicar como eles vão bancar um aumento emergencial da capacidade hospitalar e apoiar os setores da economia devastados pela crise – o mais óbvio é o setor aéreo, mas há muitos outros. Uma agência de financiamento de saúde é uma possível solução.
O sr. tem defendido publicamente maior autonomia das autoridades públicas de saúde. Pode explicar melhor essa ideia?
Eu apoio a ideia veiculada pelo James Galbraith e por Michael Lind em um artigo no Boston Globe de criar a Health Finance Corporation liderada por um especialista independente em saúde pública e com um conselho, nomeado pelo presidente, com capacidade para emitir títulos, construir hospitais de emergência, financiar desenvolvimento de vacinas, pagar para médicos saírem da aposentadoria, aumentar os fundos de saúde para os Estados. Outros países devem fazer o mesmo.
Se não houver coordenação global e disponibilização de recursos, para onde estamos caminhando?
Nenhum lugar bom.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Beatriz Bulla
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