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Criada há 8 dias, comissão católica do RS recebe 6 denúncias de abuso e assédio

Pioneira no Brasil, a Comissão Arquidiocesana Especial de Promoção e Tutela de Crianças da Arquidiocese de Porto Alegre recebeu seis denúncias desde o seu lançamento oficial, em 26 de fevereiro passado.

O grupo de trabalho tem o objetivo de investigar casos de abuso e assédio sexual cometidos por integrantes da Igreja Católica. Ele segue determinação do Papa Francisco, de que todas as dioceses do mundo tomem medidas para receber denúncias de supostos crimes sexuais até junho deste ano.

De acordo com a irmã Maria Denise Mendes Ternes, secretária e psicóloga da comissão, é possível ver uma confiança da comunidade. “Se pararmos para analisar, temos aproximadamente seis pessoas que nos ligaram para relatar os casos delas. Pode parecer pouco, mas se contarmos os dias oficiais de trabalho são apenas oito. É quase uma denúncia por dia”.

O grupo de trabalho foi formado ainda em agosto do ano passado e tem participação de uma delegada da Polícia Federal, uma psicopedagoga, uma médica psiquiatra, do arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, e do padre Fabiano Schwanck Colares.

Depois das primeiras análises, foi criado um regulamento interno sobre como conduzir o caso desde a denúncia até o tratamento da vítima e do suspeito, que pode incluir, além de padres e religiosos, todas as lideranças leigas que trabalham com as crianças e os adolescentes. A comissão abrange paróquias de 29 municípios gaúchos.

“A comissão vai trabalhar em dois âmbitos igualmente importantes: o primeiro deles se responsabilizará por acolher denúncias, investigar, executar a sentença e dar acompanhamento às vítimas. O segundo será de trabalhar a prevenção por meio de um material pedagógico para mostrar aos padres e leigos o trabalho seguro e correto com crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis”.

Além disso, cartazes serão distribuídos entre as 158 paróquias da arquidiocese de trarão mensagens sobre abusos. “Você Sabia? Nessas relações, muitas vezes, o abusador manipula emocionalmente a vítima que nem sequer percebe, o que pode levar ao silêncio por sensação de culpa. Essa culpa pode se manifestar em comportamentos graves no futuro como a autoflagelação e até tentativas de suicídio”, diz um dos materiais elaborados.

A irmã Maria Denise explica que os denunciados podem ser punidos, mas que, dentro da igreja, não existe prisão. Por isso, podem ser afastados das atividades, por exemplo, ou trocados de paróquia. As seis denúncias que chegaram à comissão não foram protocoladas junto ao Ministério Público ou informadas à Polícia Civil, pois seriam “um desabafo maior por parte dos denunciantes”.

A irmã explica que a maioria ligou para conversar, desabafar e relatar o que por anos havia sido escondido. “Vários deles disseram que não tinham contado para ninguém ainda o que havia acontecido, seja por medo ou vergonha, e, por meio do nosso canal, eles se sentiram mais seguros. Nós ainda não demos sequência ao processo pois eles precisam se comprometer a vir até a arquidiocese ou fazer um documento assinado para comprovação das informações e a maioria, por enquanto, mora longe de Porto Alegre”.

As denúncias serão apuradas por processos administrativos independente do processo judicial para agilizar a apuração dos casos. O objetivo é que em, no máximo, 90 dias, a partir do momento da denúncia, o caso seja concluído. Assim que concluída a apuração, ela será enviada a um grupo criado no Vaticano para tratar deste assunto.

A comissão recebeu também uma denúncia que se enquadraria em assédio, porém o denunciado é um padre que já faleceu. Neste caso, conforme explica a secretária e psicóloga do comitê, o trabalho precisa ser maior no âmbito psicológico.

“Nós acolhemos, conversamos, chamamos para conversas, mantemos uma ajuda psicológica e psiquiátrica se os médicos acharem necessário, mas não podemos seguir com o processo, pois não temos como dar a chance do outro lado se pronunciar e ter direito de resposta”.

Uma vez por mês, os integrantes da comissão se reunirão com o arcebispo D. Jaime Spengler para conversar e apresentar os trabalhos que foram realizados, as denúncias recebidas e os processos junto ao Ministério Público. O coordenador da Comissão, padre Fabiano Schwanck Colares, comentou sobre a importância da criação de um grupo que trabalhe e trate sobre assuntos ainda considerados como tabu dentro da sociedade religiosa.

“Nós temos a expectativa de conseguir chegar até as pessoas que, de alguma maneira, foram machucadas por algum membro da Igreja, e é importante que eles saibam que nós estaremos abertos para ajudar e sanar essa ferida por meio de uma escuta, da nossa compreensão, e se comprovado, poder oferecer-lhes uma reparação. Importante tratarmos de assuntos que eram difíceis de serem falados, pois os denunciantes acreditam, muitas vezes, que a culpa é deles”.

Para o padre, a criação de uma via administrativa direta com o Vaticano facilita os trabalhos. “O pontífice ordenou que seja resolvido em até 90 dias, isso mostra que esse canal direto é fundamental para que tenhamos agilidade, e a parceria com o poder público também facilita este trabalho”.

“Não é um assunto que qualquer pessoa gostaria e trabalharia tranquilamente, pois vamos ouvir relatos muito pesados e muito complexos. Mas estarei aberto e todos os outros membros da comissão também. Todos são pessoas preparadas e é possível que o denunciante escolha com quem deseja falar, caso tenha vergonha que seja com um padre, por exemplo”.

Conforme a delegada Shana Luft Hartz, do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis, é muito importante que todas as pessoas e grupos e instituições tenham o interesse de participar de ações que a Polícia Civil (PC) já combate há algum tempo.

“Nós trabalhamos para que as pessoas, principalmente crianças e adolescentes, se sintam à vontade para falar e denunciar qualquer tipo de abuso e assédio, isso sempre foi feito pela PC, mas quando há a criação de uma comissão é importante, ainda mais nesse caso que é específico para a Igreja Católica”.

Shana explica que, até o momento, a polícia não acompanha de perto as denúncias, pois uma nova delegacia ainda a ser criada deve ficar responsável pelos casos.

Os canais de comunicação de denúncias (não são aceitas anônimas) são: tutela@arquipoa.com e (51) 99733-4957 (ligações e mensagem de texto).

Por Laura Gross, especial para o Estado

Estadão Conteúdo

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