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‘Quarentena é pouco factível para país em desenvolvimento’, afirma David Uip

Um dos principais infectologistas do País e coordenador do Centro de Contingência para o Coronavírus do Estado de São Paulo, David Uip critica o alarmismo de algumas pessoas, organizações e governos diante da nova doença. Ele questiona a eficácia de medidas como o fechamento de cidades na contenção do surto e critica diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre isolamento de doentes. “Quarentena é uma coisa muito complicada. Na minha opinião, muito discutível. Se você analisar as recomendações da OMS de quarentena, elas são pouco factíveis para países em desenvolvimento. Como você pensa que pode isolar as pessoas em um quarto? Não conhece como funciona uma favela, não sabe o que é dormir dez pessoas em um quarto”, disse, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Como o senhor vê a disseminação do coronavírus pelo mundo? Era um cenário esperado?

Acho que tudo está dentro do contexto. O que se espera é entender melhor a velocidade (de transmissão). O que está muito estranho são as medidas tomadas por governos e por instituições, que não têm muito suporte nem na história nem técnico. Aqui no Brasil a minha percepção é que está sendo tudo bem conduzido pelo Ministério da Saúde.

A quarentena de cidades, como Wuhan, é controversa…

Eu discuto muito o que foi feito. Dá uma olhada no navio (Diamond Princess, que ficou em quarentena no Japão após um caso confirmado). Quando atracou, tinha um caso confirmado. Agora, são mais de 700. Você deixou em situação de casa fechada uma porção de pessoas. Eu discuto muito o que chamo de macroisolamento.

E o que seria ideal?

Não tem mundo ideal para infecção viral.

Mas na situação do Brasil, sem surto, como deve ser caso comece a transmissão local?

Redução de danos. Sou absolutamente contra qualquer tipo de isolamento de cidades, ainda mais no Brasil, porque ela não é real, não vai acontecer. Por isso que estou questionando muito a OMS não decretar uma pandemia porque você acaba com essa situação. Nós estamos diante de uma doença viral, de pouca morbidade e de baixa letalidade, baixa mortalidade, com grupos de gravidade muito bem estabelecidos. A gravidade está poupando jovens e está atingindo pessoas ou com comorbidades ou acima de 60 anos, especialmente acima de 80 anos. Isso está claríssimo. Sou contra o isolamento de cidades, não é factível e não acontece no mundo real. Na minha opinião, a solução é cuidar de pacientes graves. Você tem de evitar a mortalidade. Criou-se uma dimensão que é maior do que o fato por enquanto. O que você pode fazer (para evitar complicações)? Você tem duas possibilidades de complicação: uma é a própria ação do vírus e a outra são as complicações bacterianas. Algo possível é aumentar a vacinação para essas doenças bacterianas em populações preestabelecidas: vacina antipneumocócica, vacina anti-hemófilos influenza, vacina mais precoce contra o vírus influenza da gripe. São coisas indiretas que têm algum tipo de ajuda.

Alguns pesquisadores preveem vacina em até um ano…

É otimismo porque, para você ter segurança e competência, isso normalmente demora mais, mesmo entendendo que se está em momento crítico.

Quais os cenários mais prováveis para os próximos meses do surto e qual deve ser a ação dos governos?

Primeiro, vai aumentar o número de países com casos e o número de casos por país. Isso eu não tenho dúvida. Segundo, vai se perder o dado epidemiológico. Aquela história de onde veio o caso vai se perder.

Sobre o cuidado aos pacientes mais graves, o SUS tem capacidade para isso?

Depende muito do que estamos falando. O Estado de São Paulo tem hoje 101 hospitais estaduais, tem 100 mil leitos, 20 mil só do SUS, tem 7 mil leitos de UTI, então é uma estrutura robusta. Se essa coisa tiver uma demanda fora do comum, ninguém sustenta, nem São Paulo, nem Brasil, nem lugar nenhum do mundo. Então você vai ter de limitar aos doentes que têm indicação de internação. E aí as estruturas vão se adequando: você adia as cirurgias eletivas, dá agilidade aos pacientes de UTI. Tem uma porção de formas de fazer a gestão de leitos.

O senhor acha correta a comparação com a situação vivida em 1918, com a gripe espanhola?

Não, é outro mundo. Até muito recentemente você não enfrentava essas coisas, você esperava os acontecimentos. Agora você parte para cima. Em dois dias, estabelece o genoma do vírus. Já tem um monte de laboratórios fazendo pesquisa de vacina, de medicamentos.

Esse pânico em torno do coronavírus não acaba mais prejudicando do que ajudando?

Acho que é um desserviço. Olha o que está acontecendo com máscara e álcool gel. Está em falta e já quadruplicou o preço. Não tem o menor sentido. Máscara para uso no dia a dia é uma besteira, até porque ela tem durabilidade de duas a três horas. As pessoas precisam ter a responsabilidade social de não sair comprando lotes de álcool, caixas de máscaras, estocando alimento. Não tem nexo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Fabiana Cambricoli

Estadão Conteúdo

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