Condenado por lavagem de dinheiro e preso em regime domiciliar, o ex-prefeito de São Paulo, ex-governador e ex-deputado federal Paulo Maluf viu, nos últimos 20 anos, promotores do Brasil, Europa e Estados Unidos rastrearem recursos que saíram de obras públicas, percorreram paraísos fiscais e foram parar em ações da empresa de sua família, a Eucatex. Agora, no processo para devolução dessa verba para os cofres públicos, seus herdeiros podem ficar sem a firma.
Uma ação de cobrança internacional da Prefeitura de São Paulo para recuperar cerca de US$ 230 milhões atribuídos a Paulo Maluf resultará no leilão de quase metade das ações da Eucatex, a empresa de pisos e laminados da família do ex-prefeito. O dinheiro, segundo o Ministério Público de São Paulo e a Procuradoria-Geral do Município, é fruto do superfaturamento de obras entre 1993 e 1996.
Se tiver sucesso, a ação resolverá um entrave ao processo iniciado há mais de 20 anos, já que a maior parte dos recursos identificados como fruto de crimes se convertera em ações e não estava disponível para saques.
Embora muito do que foi desviado ainda esteja bloqueado, a Prefeitura já recebeu de volta parte da verba. Até ano passado, cerca de US$ 35 milhões atribuídos a Maluf e descobertos nas contas de duas empresas suas voltaram ao cofre da cidade. Em fevereiro, outros US$ 8,4 milhões, relacionados a uma terceira firma, também foram repatriados. Além disso, quatro bancos que movimentaram recursos fizeram acordos com São Paulo para evitar indiciamentos – e concordaram com o pagamento de multas que somaram outros US$ 55 milhões, também devolvidos entre 2014 e 2017.
Maluf, por anos, negou que tivesse contas no exterior. Viraram bordões as frases em que ele dizia que, caso alguém achasse contas dele no exterior, poderia ficar com o dinheiro. O ex-prefeito foi condenado, em 2017, por lavagem de dinheiro. No ano passado, foi para prisão domiciliar por apresentar problemas de saúde. Sua defesa não quis comentar o leilão.
Por meio de nota, a Eucatex afirmou que “os fundos mencionados são acionistas da empresa, mas não compõem o bloco de controle”. Informou ainda que preza “pela boa gestão da empresa independentemente do controle acionário”.
Cobrança. O leilão das ações da empresa de Maluf tem origem numa ação de falência nas Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe. Entre setembro e dezembro do ano passado, a Prefeitura obteve da Justiça do país estrangeiro o direito de se inscrever na lista de credores das empresas Kildare e Durant, registradas nas Ilhas Virgens.
Essas companhias, segundo o Ministério Público, foram usadas por Maluf e seus familiares para ocultar recursos que teriam sido desviados de obras, como a construção da Avenida das Águas Espraiadas (atual Jornalista Roberto Marinho) e do Túnel Ayrton Senna.
Em dez anos de investigações, essas empresas foram identificadas como destinatárias finais de recursos que Maluf teria levado para os Estados Unidos por meio de doleiros. Dos EUA, o dinheiro foi transferido para Jersey, uma ilha no Canal da Mancha ligada à Grã-Bretanha, para contas em nome das duas empresas caribenhas. Essas transações ocorreram de 1993 a 1998, segundo apontam as investigações.
A Kildare aplicou parte dos recursos em seis fundos de investimentos. Todos os fundos compraram ações da Eucatex: 44,5% das ações ordinárias da empresa (com direito a voto) e 50% das ações preferenciais. Para os investigadores do caso, esse esquema foi montado para Maluf tentar lavar o dinheiro desviado e poder usufruir da riqueza.
Foram as autoridades de Jersey as primeiras a reportarem, em 2001, suspeitas sobre o dinheiro dessas empresas. Ainda no início do século, diante da descoberta das contas, investigadores do Brasil e de Jersey propuseram ações para que o dinheiro desviado ilegalmente de São Paulo voltasse à cidade. Em 2013, o processo em que a Prefeitura pedia a devolução transitou em julgado (os recursos judiciais para o processo se encerraram, restando a execução da sentença). Mas essa execução tinha um limite: o dinheiro que estava parado nas contas, que era menos do que o desviado. O restante já havia virado investimento nas empresas de Maluf.
Havia a opção de tentar reaver as ações. “Mas seria um processo muito caro”, diz o procurador do município Celso Coccaro, um dos investigadores do caso. “Seria preciso contratar advogados em todos os países ligados ao processo.” A alternativa escolhida então foi cobrar as empresas na Justiça. Como não houve pagamentos, os tribunais decretaram a falência de Kildare e Durant.
Com a indicação de um administrador da massa falida, as autoridades paulistas foram informadas da realização de um leilão das ações, que foram compradas nos anos 1990 por US$ 92 milhões. Ainda será definido como isso será feito: uma única oferta, lotes diferentes e até o melhor momento para a oferta. Como a Prefeitura está na lista de credores, será paga com parte do que for arrecadado. “MP e Prefeitura estão atuando em diversas frentes para recuperar pelo menos US$ 344 milhões”, diz o promotor Silvio Marques. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Bruno Ribeiro
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