Um projeto de 2018 da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) pretendia transformar 27 de abril em uma homenagem ao “auditor de controle externo”, fixando a data no calendário paulista. A iniciativa, porém, não prosperou. Segundo justificativa dada pelo governador João Doria (PSDB) ao vetar integralmente a proposta, não existe o cargo de auditor de controle externo no Tribunal de Contas do Estado, como sugeria a proposição.
Embora homenageasse um cargo inexistente, o projeto de lei (PL) 39/2018 recebeu o aval da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), que produziu um parecer favorável.
Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo mostra que a comissão falhou outras vezes ao avaliar se os projetos dos deputados respeitavam as constituições Federal e Estadual, além das leis em vigor. A inconstitucionalidade é citada em 80% dos vetos assinados pelo governo em 2019.
Num ano em que a Alesp deu posse a 52 novos deputados – de um total de 94 – Doria vetou integralmente 76 projetos de lei. Em 2015, também primeiro ano de mandato, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) assinou 34 vetos totais a propostas da Assembleia. Em 2011, 55.
Dos vetos de 2019, em 61 (80,3%), o Poder Executivo alegou que o PL feria normas já em vigor. Em outros sete (9,2%), a proposição pretendia homenagear alguém atribuindo seu nome a um prédio, rodovia ou repartição pública que já homenageava outra pessoa.
Em quatro casos (5,3%), o legislador não conseguiu identificar corretamente o lugar que deveria receber a homenagem. Nas outras quatro propostas (5,3%), o governador entendeu que o projeto contrariava o interesse público, embora não houvesse nenhum erro técnico.
Um exemplo é o PL 614/2019, que pretendia criar novas regras de serviços de telemarketing de telefonia móvel ou fixa. Se o projeto tivesse sido sancionado, estariam banidos o uso de números não identificados para telemarketing, bem como chamadas antes das 9 horas ou após as 18 horas. A proposta trazia “riscos de fechamento de postos de trabalho na área de telemarketing” e de perda de investimentos nesse setor, segundo o veto de Doria.
Fontes ouvidas pelo jornal O Estado de S. Paulo se queixam que, embora as comissões de constituição e de orçamento (CFOP) existam para fazer avaliações técnicas, ambas têm aprovado projetos pró-forma ou têm sido palco de discussões políticas.
Copia e cola
De todos os pareceres da CCJR analisados pela reportagem, 36 deles (51,3%) citaram apenas as normas da Constituição Estadual e do Regimento Interno da Alesp, que dizem que a Assembleia e seus deputados devem elaborar leis. Não vão além do que é chamado, no Direito, de “constitucionalidade formal orgânica”, relativo à competência do órgão. Procurado na última sexta-feira, o presidente da comissão, Mauro Bragato (PSDB), disse que precisava de tempo para se informar sobre o tema.
Grande parte dos pareceres analisados continha trechos idênticos sobre a constitucionalidade das propostas, embora falassem de projetos totalmente diferentes. Alguns dos projetos são cópias de outros, se valendo de justificativas ou de dispositivos semelhantes. Nas cópias físicas das proposições, a reportagem encontrou casos em que foram usados post-its, papel colado e “liquid paper” para aproveitar trechos contidos na folha original em outras propostas.
Na Alesp, todos os projetos e pareceres são impressos e transitam entre os gabinetes dentro de pastas coloridas.
Nos relatórios da comissão de finanças, a reportagem não encontrou nenhum cálculo de impacto que as respectivas propostas poderiam trazer às contas públicas. Em alguns casos, o colegiado delega o cálculo de impacto ao Poder Executivo.
Outro vetado, o PL 347/2018, visava reduzir a 30 horas semanais a jornada de trabalho de enfermeiros, inclusive dos que exercem a função no poder público. De acordo com o parecer da comissão, “a execução normativa da presente iniciativa não implicará em aumento ou diminuição da despesa como a receita pública”.
Perguntado sobre o caso, o presidente da comissão de finanças, Wellington Moura (Republicanos), afirmou que o acúmulo de carga de trabalho aumenta as chances do profissional adoecer, fazendo com que o Estado gaste para contratar um substituto. O parecer, porém, não cita contas ou estatísticas.
Escola
A Alesp tem, desde 2001, o Instituto do Legislativo Paulista, voltado para capacitar deputados e servidores, para que eles estejam mais aptos a elaborar políticas públicas. De acordo com a resolução que a criou, um dos objetivos da instituição é realizar seminários, cursos e eventos no início de cada legislatura.
A nova legislatura, no entanto, não teve a oportunidade de estudar constitucionalidade de leis estaduais: a última edição de um curso sobre o assunto, marcada para abril e maio do ano passado, foi cancelada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Paula Reverbel e Pedro Venceslau
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