Depois de se afastar do PT anos atrás, lutar pelo impeachment de Dilma e apoiar Bolsonaro nas eleições, o músico Lobão, uma das figuras mais controvertidas e provocadoras da arena cultural do País, tornou-se um antibolsonarista radical. Em seu novo livro, Lobão: 60 anos a mil, que deve chegar às livrarias em meados de março, ele conta por que se afastou de Bolsonaro e solta o verbo contra o escritor Olavo de Carvalho, guru do presidente e de sua prole. Nesta entrevista ao Estado, Lobão, de 62 anos, diz que Bolsonaro cometeu “estelionato eleitoral”, ao trair promessas de campanha, como o combate à corrupção, e deve ser afastado do cargo. Segundo ele, Olavo “é o cérebro e a alma” do governo e o líder dos ataques feitos pelas legiões bolsonaristas contra adversários e aliados nas redes sociais.
Nas eleições, você apoiou o presidente Jair Bolsonaro. Agora, tornou-se um antibolsonarista radical. Por que esse desencanto? Você se arrependeu de ter votado nele?
Não, não me arrependi. Não havia alternativa. Não poderia ficar mudo, porque fui um dos primeiros a ficar na oposição ao PT e a levar pedra do partido, em 2014, 2015. Então, depois de tanta luta, optei pelo Bolsonaro, porque achava uma imoralidade, uma obscenidade, o PT se eleger de novo após o impeachment da Dilma. Seria muito mais maligno do que entrar numa aventura com o Bolsonaro. Não houve desencanto. Meu tempo de tolerância é que foi muito mais curto (do que com o PT), porque os descalabros agora aconteceram numa intensidade e rapidez fora do comum.
No livro, você chama o presidente de “demente”, “delirante”, e diz que ele “não tem capacidade de administrar o Brasil”. Por que essa ira contra ele?
Não é ira. É um diagnóstico. Sem nenhum tipo de destempero, posso dizer que ele não tem realmente condições de administrar o Brasil. Nem morais nem emocionais nem intelectuais. Eu o conheço pessoalmente. Quando falo que ele tem desequilíbrio moral, é só ver as milícias, as rachadinhas, o nepotismo, o estelionato eleitoral em que o governo se transformou. Emocionalmente, você o vê dando uma banana, xingando todos os presidentes do mundo. Intelectualmente, nem se fala. Um cara que não consegue ler três linhas de um livro já mostra que nunca teve apetite intelectual. Então, não se trata aqui de ira nenhuma. São fatos que ele nos mostra e que estou, friamente, localizando nas áreas emocional, moral e intelectual.
Você não acha os termos “demente” e “delirante” um exagero?
Não acho exagero, porque ele é um cara paranoico. Tudo para ele é teoria da conspiração. São todos paranoicos: ele, o Olavo de Carvalho, o (Abraham) Weintraub (ministro da Educação). Todos têm o mesmo discurso, desconfiam de Deus e o mundo. Para eles, quem não é olavista é comunista. Então, acho o delírio uma coisa bastante evidente.
Você diz que o Bolsonaro promoveu um “estelionato eleitoral”. Ele não está cumprindo as promessas de campanha?
Houve traições desabusadas das promessas de campanha. Todo mundo sabe. Ele prometeu não concorrer à reeleição, mas só fala nisso desde antes da posse. Esvaziou a luta contra a corrupção, retirou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do Ministério da Justiça. Transformou o (Sérgio) Moro num eunuco da Justiça. Ficou amigo do (Dias) Toffoli (presidente do Supremo) e com todas as falcatruas familiares sujou mais as mãos. Outra coisa são os efeitos colaterais. A agressividade e as condutas autoritárias estão à flor da pele. A milícia gerou uma metástase no Brasil, depois da entrada do Bolsonaro.
Em termos de promessas de campanha, o que mais o Bolsonaro estaria descumprindo, além do combate à corrupção?
É tanta coisa que só com uma cola para a gente enumerar de maneira precisa todas as traições. Ele prometeu extinguir a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que agora virou um antro de olavetes. Na economia, também fez uma série de desvios do que prometeu. Só com o cartão corporativo já gastou mais de R$ 1 milhão. Isso sem falar nas deformidades esdrúxulas na educação e nas relações internacionais, no nepotismo escancarado e obsceno, na volta da censura, na perseguição cultural, no revanchismo, no assassinato de reputações.
Você tem defendido a remoção do presidente do cargo, ainda que por vias democráticas. Não é uma solução muito radical?
Defendo o afastamento não só pela incompetência, porque é um perigo ter ali uma pessoa do nível do Bolsonaro, que fala o que ele fala. Ele é uma pessoa absolutamente horrorosa, um desserviço e um insulto para a Nação. Não tem o mínimo de dignidade para ocupar o cargo. O PT criou uma época de animosidade no País. A única salvação era ter um governo de aglutinação e apaziguamento. Mas não. Temos um governo que desde o começo detona a própria base, os chamados “isentões”, que não são considerados puros dentro da receita bolsonarista. Isso tudo é um coquetel molotov para uma distopia social muito grave.
Você acredita que há clima para outro impeachment? Do ponto de vista legal, qual a justificativa?
Vamos falar claramente: a Dilma só foi impedida porque jogou o País na pior recessão da história. Com o (ex-presidente Fernando) Collor, aconteceu algo parecido. O Bolsonaro ainda está no vácuo do (ex-presidente) Michel Temer, que deu uma ajeitadinha na economia. O acordo do Mercosul com a União Europeia quem alinhavou foi o Temer. Mas o Bolsonaro xingou todo mundo e agora a gente provavelmente não vai conseguir nada. A mudança da embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém vai criar animosidades com todo o Oriente Médio.
Mas, na economia, a situação não está melhorando?
Não vejo por que essa euforia toda. Está havendo uma evasão de investimento estrangeiro. O dólar está batendo recorde. Ainda por cima, tem a falta de habilidade do Paulo Guedes, que é um cara de pavio curto. A reforma da Previdência só foi aprovada porque o Congresso fez praticamente outra reforma. Então, com suas ações diplomáticas e medidas econômicas capengas, o governo Bolsonaro é um desastre. Temos quebra de decoro do cargo a três por quatro. Falta apenas vontade política. É só esperar a próxima cagada do presidente, enumerar tudo, colocar num dossiê e botá-lo no pau.
Como você vê a libertação do Lula e sua volta à cena política?
Pífia. Não houve nenhuma guerra civil, nenhuma luta ou efusividade maior. Ele está no oblívio total. Agora o PT está preocupado, querendo fazer autocrítica, porque não tem ninguém para colocar no lugar do Lula. Ele está muito desgastado também, porque, por mais que o brasileiro seja otário, não chega a ponto de voltar a engolir o Lula.
O que você pensa da polarização que a gente vive hoje no País?
Isso é o que há de pior que a gente pode ter. Espero que uma parte da população comece a se educar mais e a ter mais coragem, para formar um caldo de tolerância e não ficar refém desses dois extremos. A única forma de parar esse looping é ter uma coisa meio zen de falar “não vou entrar nessa pilha de insultos”. Não estou dizendo para a gente ficar parado, mas utilizar as nossas armas com o mínimo de elegância e educação, para poder corrigir essa rota de destempero.
Qual sua opinião sobre o Olavo e a influência dele no governo?
Acho que ele é o cérebro e a alma do governo. Está vinculado ao clã Bolsonaro de maneira muito mais atávica, visceral, do que eu imaginava. Pensei que fosse uma coisa mais fortuita. Não é. O Olavo fica detonando todo mundo e os olavetes ficam promovendo esse espetáculo horroroso de linchamentos virtuais dos mais tóxicos possíveis.
Como você analisa os ataques virtuais dos bolsonaristas na internet contra adversários e aliados que fazem qualquer crítica ao governo ou ao presidente?
É uma coisa nociva e deletéria para eles próprios. Eles são autodestrutivos demais. Anseiam pelo purismo. Quem diverge um grau daquele vetor é isentão, comunista, não é direita, é esquerda. Com essa coisa de procurar uma pureza, se circunscrevem a um número cada vez menor de pessoas que aturam aquilo.
Na sua visão, qual a relação do presidente e de seus filhos com esses ataques virtuais?
Eles estão dentro dessa onda o tempo todo. São uma rede. Tem o tal “gabinete do ódio” dentro do Palácio do Planalto. É uma coisa obscena, promíscua, incestuosa, imoral. Isso é o bastante para ter impeachment. É absurdo a gente pagar para ser linchado. A gente vê todo dia o Carlos, o Eduardo, o próprio Bolsonaro publicando posts. O Flávio é o que menos aparece. Quando você ocupa um cargo público, representa uma instituição até deixar de ocupá-lo. Eles não notaram isso e continuam com essa presepada.
Há um líder nessas ações dos bolsonaristas? Quem é o comandante dessa legião?
Você tem alguma dúvida? É o Olavo, com seus asseclas. Foi ele que criou os vaporwaves. Todos os grupos de linchadores são olavetes. Não atacam a esquerda, mas aliados que manifestam discordância. Seguem a cartilha dos trotskistas, que botaram no paredão os social-democratas, seus primeiros aliados. Tem essa coisa de traição que não se coaduna com a política.
Como vê as ações do governo Bolsonaro na área cultural?
Um verdadeiro desastre. Quando assumiram o governo, começaram a falar em guerra cultural, em acabar com os comunistas. É muito nocivo. Evangelizaram tudo. O cara da Funarte (Fundação Nacional das Artes) falou que não vai subvencionar o rock porque é coisa de satanás. É um obscurantismo total. Quando não são pastores, são terraplanistas, olavistas. Censuraram o Chico Buarque. Estão dando palco para os artistas que estavam superdesgastados por anos de beneplácito chapa-branca nos governos do PT.
O que você pensa sobre a ida da atriz Regina Duarte para a Secretaria de Cultura?
É um tremendo cinismo, porque a agenda cultural não vai mudar. Fica essa cortina de fumaça cor-de-rosa, porque ela é muito fofa, mas já está sob ataque dos bolsolavistas, porque demitiu uma pastora. Ela não terá a liberdade de fazer o que deseja. Mesmo que tenha, está no lugar errado, na hora errada. Está na hora de derrubar o governo, democraticamente. Não dá para remendar um governo “irremendável”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por José Fucs
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