Armando estava parado desde as 5h, Leandro e Angelita atravessaram a enchente de carona na caçamba de um caminhão, a filha de Luciane perdeu o voo para Porto Alegre e Lucas sofreu para chegar ao trabalho para, depois de duas horas, fechar as portas da farmácia por falta de movimento. Todos estavam ilhados na tarde desta segunda-feira, 10, na região da Lapa, zona oeste de São Paulo. Eles refletem o caos sentido por várias pessoas na região mais afetada pela chuva recorde que atingiu a capital desde a noite de domingo.
“Vim do trabalho na (Avenida) Paulista e estava indo para o Sítio Jaraguá (na zona norte) quando parei aqui”, diz o auxiliar de serviços gerais Armando França de Souza, que saiu do serviço ainda na madrugada e estava estacionado desde as 5h em cima do Viaduto da Lapa, entre uma longa fileira de ônibus, alguns parados ali desde as 4h. “Entro no serviço às 17h. Se bobear, nem vou conseguir ir para casa, vou acabar dando meia-volta”, afirma.
Luciane Violato foi uma das primeiras motoristas barradas pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) na Avenida Ermano Marchetti com a Praça Jácomo Zanella, quando a água começou a subir e ficou perigoso passar. A poucos metros dela, pelo menos um carro boiava na enchente. Moradora de Osasco, ela havia saído de casa às 4h30 para levar a filha ao Aeroporto de Guarulhos. Sem chance. Perdido o voo para Porto Alegre, elas conseguiram remarcar para as 22 horas, mas tinham dúvidas se conseguiriam chegar.
“Cheguei aqui e ainda não estava alagado, mas a CET não deixou mais ninguém passar. Minha filha perdeu o dia de trabalho em Porto Alegre, os gatos dela estão sozinhos em casa, está um caos. Para não perder meu dia também, estou trabalhando do carro”, diz Luciane, que é gerente de vendas. “Agora é um mistério como vou chegar a Guarulhos e ainda voltar para Osasco.”
Enquanto Luciane falava com a reportagem, uma multidão se divertia com o vaivém de um trator apinhado de gente no meio da enchente. O motorista estava fazendo “frete de pessoas” de um lado para o outro da Ermano Marchetti, sem cobrar. Os lugares, na cabine e na “garra” do trator, eram disputados. Quem ficava no chão se divertia filmando e incentivando os que tinham coragem de ir pendurados. A cena já durava horas. Até uma repórter do jornal O Estado de S.Paulo acabou aproveitando a carona.
Alguns caminhões também se arriscavam na enchente. Da caçamba de um deles desceram Angelita Pereira e Leandro Samuel, mãe e filho que percorreram uma epopeia desde a Brasilândia, na zona norte, onde moram, para um compromisso inadiável em um banco na Lapa. “Saímos da Brasilândia, chegamos até a Freguesia do Ó. Não dava para passar, então voltamos para a Cachoeirinha e conseguimos pegar uma condução até a Ponte do Piqueri. De lá, o caminhão deixou a gente aqui (na entrada do Viaduto da Lapa)”, conta Leandro. “Se não fosse caso de vida ou morte no banco a gente tinha desistido há horas”, emenda a mãe, Angelita.
Quem conseguiu chegar ao trabalho não teve melhor sorte. Atendente em uma farmácia na Lapa, Lucas Souza ia fechar as portas duas horas depois de abrir, por falta de cliente. “Ninguém está conseguindo chegar aqui, não entrou ninguém hoje”, afirma. Assim como a farmácia, pelo menos metade das lojas da região da Rua 12 de Outubro, de comércio popular, não abriu as portas – incluindo o Mercado da Lapa.
Por Ana Carolina Sacoman
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